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|Crítica| 'O Sequestro do Papa' (2024) - Dir. Marco Bellocchio

|Crítica| 'O Sequestro do Papa' (2024) - Dir. Marco Bellocchio

Crítica por Victor Russo.

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'O Sequestro do Papa' / Pandora Filmes

 

Título Original: Rapito (Itália)
Ano: 2024
Diretor: Marco Bellocchio
Elenco : Enea Sala, Leonardo Maltese, Paolo Pierobon, Fausto Russo Alesi e Barbara Ronchi.
Duração: 125 min.
Nota: 3,5/5,0

 

Em meio a uma trilha sonora estridente e movimentos de câmera expressivos, Marco Bellocchio mira no rosto de seus personagens a fim de nos fazer sofrer junto com eles

Com mais de 80 anos, Bellocchio continua dirigindo igual a um jovem. Não no sentido de ser inexperiente, é claro, mas na energia que o cineasta italiano ainda tem ao compor sua encenação. Grande, cheia de movimentos de câmeras deslumbrantes e uma fúria para criar as grandes sequências com raiva e desespero. Talvez aí esteja o maior problema de "Kidnapped", que parte da sua maior qualidade. A sequência do evento que dá nome ao filme é de tirar o fôlego, com uma decupagem que alterna o movimento pela câmera e pelo corte, enquanto torcemos por aqueles personagens tentando a todo custo impedir que um dos integrantes da família seja levado contra a vontade dos pais. Pior, um garoto judeu sendo convertido à força pela Igreja Católica. É desesperador para o espectador assim como é para os personagens, o que Bellocchio capta com perfeição ao buscar constantemente esses rostos desamparados em meio ao grandioso. 

O filme nunca consegue chegar em uma potencialidade dramática parecida. Era esperado, não teria como igualar a força dessa sequência. Entretanto isso não quer dizer que "Rapito" deixe de funcionar a partir de então. O amor de Bellocchio pelos personagens e pela injustiça nos move. Mais uma vez olhando para uma história real, o cineasta mostra de novo que nunca permanece preso a uma estrutura pronta do filme baseado em fatos reais. Claro que os eventos são relevantes e fazem parte do andamento da narrativa. Não teria como ignorar a história assombrosa, que parece pedir para ser contada "intocada".

Só que claro, a narrativa cinematográfica sempre "tocará" na história, seja de forma genérica e apagada, como grande parte dos filmes cinematográficos de Hollywood, seja com um olhar próprio, semelhante ao de diretores como Martin Scorsese e Bellocchio. Acostumado a lidar com esse tipo de premissa, o diretor mergulha no melodrama buscando empatia pelos injustiçados, o que reforça pela encenação do tema central e a vilania da Igreja. A história pode ter mais de um século, mas o reflexo é atual. O rapto não é um evento isolado e nem é o tema em si. A preocupação maior está na perda de um filho e da identidade dele junto.

Assim, enquanto Bellocchio sai do grande para o rosto dos pais nos fazendo sentir a dor deles, a desesperança crescente em resgatar o filho (ou o que restou dele após a doutrinação católica), o close no filho tem uma função um pouco diferente, sobretudo quando ele ainda é criança (o filme vai ter alguns saltos temporais e percorrer um longo período de décadas). O rosto passivo expõe essa vulnerabilidade do garoto, explorada para tirar sua identidade, fazer esquecê-lo de seu passado e suas origens. Ao vermos a luta por recuperá-lo e o seu enfeitiçamento por parte da entidade religiosa, a perda é reforçada pela montagem. Por um lado, a recuperação da criança parece impossível, por outro, a perda dele não é só física, mas o apagamento de quem ele é.

Dessa forma, quando o filme avança e vemos o jovem inserido naquele mundo, a dor da família se torna o foco. É como se ele já estivesse perdido, a doutrinação estava completa. A indignação que muitos espectadores podem sentir com o protagonista é compreensível então, mas só até certo ponto. Como poderia após tanto esforço dos familiares o garoto ignorar a volta para a casa? Bellocchio cria aí uma ironia macabra, mostrando como a igreja sempre passa impune. Ainda que a escolha em não encerrar aí, dar um tom lúdico e de revolta, é uma espécie de recompensa, um respiro para o espectador que tanto sofreu junto aos personagens.

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