|Crítica| 'Como Treinar o seu Dragão' (2025) - Dir. Dean DeBlois
Crítica por Victor Russo.
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'Como Treinar o seu Dragão' / Universal Pictures
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Dean DeBlois retorna para o remake em live-action da franquia que o consagrou, agradando os fãs pela replicação, mas com real interesse em fazer um cinema apaixonado e dedicado
Poucos dias após Lilo & Stitch estrear e explodir as bilheterias mundiais (não teria como ser diferente, já que a Disney monopoliza as salas de cinema com seus produtos teoricamente para toda a família e o seu marketing agressivo cria esse sentimento de necessidade), outro remake de uma animação deste século chega, também com uma legião de fãs (os quatro filmes de Como Treinar o Seu Dragão combinaram para mais de U$ 2 bilhões em bilheteria e a nova velha versão deve acumular algo em torno de mais U$ 1 Bi para conta). A semelhança das duas franquias está justamente em seus criadores, tanto o filme de 2002, quanto o de 2010 foram dirigidos pela dupla Chris Sanders e Dean DeBlois (que continuou a série de filmes da Dreamworks sozinho no cargo), ambos inclusive produtores desse longa da Universal. As coincidências param por aí e DeBlois retornar como diretor apenas em Como Treinar o Seu Dragão diz muito sobre o abismo de qualidade entre os dois filmes, ainda que partam justamente da mesma visão comercial, a de lucrar dobrado com o mesmo produto, diminuindo a animação frente ao live-action, tentando simplesmente replicar ao máximo em uma obra agora com atores reais.
Tanto o filme da Disney quanto o da Universal escolheram para os cargos cineastas com destaque pelas animações, o já citado DeBlois, que fez a sua carreira nesse segmento da indústria, e Dean Fleischer (antes de ser contratado pela Disney foi indicado ao Oscar por Marcel the Shell with Shoes On, ele que também experimentou com live-action e os paradigmas entre a ficção e o documentário em obras anteriores, por exemplo, no curta e uma espécie de filme-colagem Fraud). O primeiro questionamento pode partir então primeiro para esses realizadores, por que aceitar trabalhar em produtos da indústria que praticamente desqualificam a animação, transformando-as em “sub-filmes”, precisando de uma validação com atores para se tornarem relevantes? Porém, direcionar a culpa para diretores é sempre um tanto problemático, já que se eles não aceitassem, os filmes continuariam existindo nas mãos de outros. No caso de Fleischer, isso pouco se alteraria, já que o longa com cara de produtor nada tem dele ali, no de DeBlois, é um tanto diferente.
DeBlois aceitou retornar, e com seu parceiro Sanders junto como produtor, para proteger sua criação, sabendo que o estúdio faria com ou sem ele? Ou foi só pelo dinheiro? Pouco importa, vale muito mais o resultado final do que a ética do realizador, e é justamente graças a essa visão apaixonada do diretor para com sua obra que Como Treinar Seu Dragão ganha vontade de viver para além da expectativa comercial, barreira essa que Lilo & Stitch em nenhum momento tem a mínima preocupação em quebrar. Grande parte do debate, desde live-actions remakes de animação anteriores (muito acentuado pelo O Rei Leão, de 2019, que nem live-action é), até as divulgações dos trailers desses dois filmes, ambos com recepções calorosas dos fãs, quase sempre se volta para a fidelidade ou não com o original, sendo uma expectativa pelos aficionados das obras originais, enquanto recebe críticas dos espectadores mais conscientes e críticos, justamente pela compreensão do quanto refazer um produto apenas a fim da replicação é um truque bastante sórdido desses estúdios que proíbem a feitura de novos filmes originais e de diretores mais autorais, ao mesmo tempo que infantilizam o público com a repetição de obras infantis, muito mais focadas em uma suposta nostalgia para adultos, usando as crianças apenas como desculpa comercial (com certeza, o novo Como Treinar Seu Dragão não está isento dessas acusações).
Todavia, DeBlois faz a discussão se voltar um pouco menos para a fidelidade (ou cópia) e mais para esse real interesse em fazer cinema, transmitido pela narrativa imagética e as possibilidades do espectador reagir e se envolver. É aqui que o filme de Soluço e Banguela dá de 10 a 0 no do alienígena azul. Lilo & Stitch talvez seja até menos fiel em relação à animação do que o de DeBlois, que muitas vezes inclusive repete planos e enquadramentos do longa de 2010, mas, como quase tudo que a Disney faz, o interesse está mais nos lucros do que no filme em si. É quase como um checklist da obra-base, uma espécie de fan film, com orçamento mais limitado (ainda assim, U$ 100 milhões de orçamento não é tão pouco dinheiro assim, mesmo para os padrões atuais da indústria), que se contenta em simplesmente apelar para as piadas e momentos melodramáticos para manipular esse público pela nostalgia. Não há construção de narrativa, muito menos de cena e de plano, parece mal existir um diretor de fotografia e um planejamento de decupagem, tudo é amontoado, corrido, apenas para preencher um sentimento dos fãs da forma mais pobre possível. É a definição mais clara de filme-produto, Fleischer é refém (ou cúmplice) disso.
Por outro lado, DeBlois não nega a nostalgia, entrega escancaradamente tudo que os fãs mais assíduos esperam, exatamente a mesma história, com os planos e momentos mais icônicos quase intocados. Ele é astuto ao dar ao estúdio o que este espera, enquanto toca o coração e o corpo dos fãs de outra maneira, ainda que esses mal percebam. A similitude com o filme original não funciona nesse modelo de checklist, a lógica de passagem de uma cena a outra, de uma ação para a seguinte, apenas cumprindo o pré-requisito daquilo tudo estar presente na narrativa. Pelo contrário, se o longa de 2025 parece igual ao de 2010, mas tem quase 30 minutos a mais, isso é resultado de uma dedicação muito maior da direção do que do roteiro. DeBlois entende a magia não pelos acontecimentos, mas por como apresenta cada uma dessas ações, nos convida a fazer parte daquele mundo e experienciar os grandes momentos. Cada voo de Banguela e Soluço tem uma dedicação, são estendidos, planejados plano a plano, até chegarem nos momentos mais apoteóticos, quando o tempo parece parar e vivemos aquela experiência junto a eles. Claro que o valor de produção ajuda, o que na prática é muito mais um bom uso dos recursos (o filme custou no máximo U$50 milhões a mais do que o da Disney e nem passou perto das produções mais caras do momento), a preocupação em fazer aquele mundo repleto de CGI parecer palpável, iluminando com cores e com vida, fazendo o sol estar presente e não o escondendo em meio à fumaça, como a maioria dos blockbusters atuais. Exibe os seus dragões, feitos em detalhes, mas mantendo o caráter lúdico sem medo de soar brega ou bobo. Enfim, para além do produto provavelmente bem-sucedido comercialmente, há amor e vontade em fazer cinema, tudo o que falta para Lilo & Stitch.