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|Crítica| 'Oh, Canadá' (2025) - Dir. Paul Schrader

|Crítica| 'Oh, Canadá' (2025) - Dir. Paul Schrader

Crítica por Victor Russo.

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'Oh, Canadá' / California Filmes

 

Título Original: Oh, Canada (EUA)
Ano: 2025
Diretor: Paul Schrader
Elenco: Jacob Elordi, Richard Gere, Uma Thurman, Michael Imperioli e Victoria Hill.
Duração: 94 min.
Nota: 2,5/5,0

 

Em mais um filme de auto-análise, Paul Schrader concebe o seu pessimismo fatalista por meio da metalinguagem e a presença da câmera diegética, mas trai toda a obra na reencenação daquela vida

Mal recebido no Festival de Cannes 2024, Oh, Canadá chega ao Brasil com o habitual atraso das obras recentes de Paul Schrader. Digno de um cinema bressoniano de redenção de homens atormentados por suas próprias consciências, a leva de obras recentes do diretor, sobretudo a partir da trilogia que inicia com First Reformed e se encerra com Jardim dos Desejos, adotam cada vez mais um ar fatalista, o que pode não ser uma novidade em sua filmografia, já que desde filmes que dirigiu, como Mishima e O Gigolô Americano, até aqueles que apenas escreveu e ficaram mais famosos por terem sido concebidos por Martin Scorsese, como Taxi Driver e Touro Indomável, a morte e a destruição parecem sempre pairar sobre os corpos e a consciência dos seus protagonistas masculinos. O que mudou recentemente é como esse pessimismo tem se transformado em uma espécie de autoanálise do cineasta, a consciência de que o seu tempo por trás das câmeras está chegando ao fim. Só que ao invés de correr contra esse tempo a fim de tentar manter uma energia a cada nova obra, como seu parceiro Scorsese ou o também octogenário Ridley Scott (Clint Eastwood, que acabou de completar 95 anos, poderia entrar nessa turma se olharmos para o mais recente e brilhante Jurado Nº 2, ainda que algumas obras recentes do cineasta também adotem esse sentimento de proximidade do fim), Schrader anda não contra o fim, mas em direção a ele. Às vezes nem sequer anda, mas deita e espera a morte (em um sentido mais figurado) chegar, enquanto olha para trás com pesar.

Oh, Canadá chega carregado desse sentimento, mas não mais da necessidade de se redimir lutando contra um sistema ou tentando proteger a pureza ainda presente em pequenos fragmentos da sociedade (pelo menos é como muitos de seus personagens enxergam), algo dominante em sua trilogia recente. Dessa vez, o fim está próximo demais, a morte bate à porta e a mente não responde com clareza. Não há mais salvação, nem redenção, cabe apenas o fluxo fragmentado de uma mente quebrada. Sem futuro, sobra olhar para trás sem uma perspectiva real do que aconteceu, a memória trai, mas o sentimento de culpa permanece. Para quem lê as bobagens que o cineasta diz por aí nas redes sociais, não parece a mesma pessoa dirigindo um filme como esse, sobretudo o quanto é possível entender o que tem de declaração autoconsciente. Ao reviver uma vida, ele revisita o seu próprio cinema, só que não mais da mesma forma que já foi um dia.

Assim, a ideia de recriar o passado por meio de uma narrativa fragmentada de uma montagem confusa, que por muitas vezes representa o protagonista como Richard Gere quando deveria ser Jacobi Elordi (escolha consciente da direção, claro), é boa e carrega essa culpa dominante em Leo Fife. O mesmo vale para a história ser contada por meio de um relato cheio de interrupções de alguém prestes a dizer “adeus”. Porém, na prática, as boas ideias encontram dificuldade em se concretizar, ou, mais do que isso, parecem trair todo o aparato cuidadosamente montado nos primeiros minutos de filme, a fim de filmar não só o protagonista, mas também mostrar sua atual esposa, Emma/Gloria (Uma Thurman), enquanto o marido fala sobre sua vida com o objetivo de colocar para fora toda a maldade que cometeu ou que acredita ter feito.

Quando segue no presente, principalmente se utilizando de uma decupagem permitida pelas próprias câmeras diegéticas, destaque para os close-up dolorosos em Gere e Thurman, Oh, Canadá encontra paixão e sentido nesse discurso autorreferente, o cinema como a maneira mais apropriada para o relato de um cineasta (ou, no sentido mais amplo, um contador de histórias). O problema é que toda a reencenação soa desconexa e desinteressada, como Elordi sendo mais como uma figura idealizada, quase descorporizada, mesmo quando comete atos questionáveis, do que como a representação daquele homem. É como se tudo que passasse por sua vida fosse tão desinteressante quanto a metáfora do homem que foge da Guerra indo para a fronteira do Canadá, enquanto vive sua vida nessa eterna fronteira entre o real e a projeção da mente. É um daqueles casos nunca prazerosos do filme que parece ter dois cineastas fazendo filmes que nunca combinam narrativamente.

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