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|Crítica| 'Ritas' (2025) - Dir. Oswaldo Santana

|Crítica| 'Ritas' (2025) - Dir. Oswaldo Santana

Crítica por Victor Russo.

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'Ritas' / Biônica Filmes

 

Título Original: Ritas (Brasil)
Ano: 2025
Diretor: Oswaldo Santana
Elenco: Rita Lee
Duração: 83 min.
Nota: 3,5/5,0
 

Ritas prova mais uma vez que os melhores documentários sobre personalidades são os conduzidos pelo seu cinebiografado

Há momentos em que o cinema parece transbordar a tela e convergir com o universo para criar um momento mágico, específico e capaz de criar uma experiência diferenciada para um pequeno grupo de pessoas. A exibição de Ritas, na abertura de São Paulo do festival de documentários É Tudo Verdade, ocorrida na área externa da Cinemateca Brasileira, em uma noite qualquer naquele local descoberto comportando algumas centenas de pessoas foi uma dessas situações. A chuva chegou do nada, com presença, e obrigou os presentes a se espremerem nos pequenos espaços cobertos nas laterais, enquanto um ou outro corajoso aceitou a situação de voltar encharcado para casa e permaneceu imóvel. Eis que pouco tempo depois a obra projetada viria a trazer um show específico da cantora, também em São Paulo, em que, em um palco coberto, ela interagia e brincava com o público, também debaixo de chuva, perguntando como aqueles paulistanos estavam se sentindo todos molhados.

Essa experiência dos espectadores daquela sessão específica (da qual eu fazia parte) pode parecer uma bobagem ou uma coincidência (esta certamente é), mas teve a capacidade de construir não só uma nova piada externa ao filme com os ali presentes, como, principalmente, serviu para reforçar ainda mais o sentimento central que percorre a obra, essa onipresença narrativa de RIta Lee ao contar a sua história, como se ela controlasse aquela colagem de shows, entrevistas e momentos mais íntimos em diversos momentos da vida da artista, a fim de exibir apenas uma pequena parcela daquele ser complexo e poderoso que dominou, à sua maneira, o imaginário popular e foi parte integral de uma revolução na música brasileira.

Ritas se une a obras nacionais recentes, como Fernanda Young - Foge-me ao Controle e Othelo, o Grande, três raros documentários mundiais que parecem compreender a magnitude e o magnetismo de suas figuras de destaque. São obras que justamente funcionam não por uma falta de autoria da direção necessariamente, mas pela habilidade de seus diretores e a humildade de se despir de qualquer arrogância de se colocar como detentores máximos da obra. Nada disso pode ser confundido com falta de ambição, já que isso não falta a esses três filmes. Muito menos ausência de uma figura que centraliza e define a linguagem que permeia toda a narrativa. Pelo contrário, o trabalho é ainda mais belo quando se percebe essa unidade de estilo, muito marcada pela montagem do filme que cola imagens de arquivos, é uma busca quase impossível pela compreensão daqueles artistas enquanto seres únicos e repletos de uma estética, de uma aura meio inexplicável, mas muito sentida, personalidades singulares da nossa arte que deixaram seus rastros para sempre em quem entrou em contato com suas obras tanto na época de execução quanto décadas depois. Não se trata de uma mera homenagem, mas de quase um subgênero da cinebiografia (que só parece ter funcionado nos longas documentais até agora), de apropriação póstuma do artista ao ter sua história contada, dando a impressão que eles mesmos proibiram uma narração mais quadrada de suas vidas e obras, já que isso seria desrespeitar o que sempre foram e acreditaram.

O mais impressionante em Ritas é o fato de Oswaldo Santana estar estreando na direção com esse filme, assumindo o difícil papel de organizar infinitas imagens de arquivos a fim de criar uma coesão narrativa, recusando a linearidade temporal, ao mesmo tempo em que não ignora também a importância de Rita Lee como objeto de confronto a uma sociedade conservadora, fazendo parte de um movimento sem estar ali completamente, já que como mulher teve de trilhar um caminho diferente e um tanto pessoal, sendo ouvida pelo rock, mal visto na época, assim como sendo a primeira mulher no gênero aqui no Brasil (pelo menos entre as que tiveram destaque). Perceber esse ser único em sua complexidade sem tentar defini-la e reconhecendo que seria incapaz compreendê-la por completo, faz de Ritas esse filme de muitas mulheres em uma só, conduzido apenas a partir de materiais que a própria Rita Lee “disponibilizou”. Mais do que organizador ou mesmo autor, o grande mérito de Santana está na fluidez que a obra encontra ao compreender que a indefinição é o que melhor representa essa mulher que nos deixou, mas seguirá para sempre presente na memória e no coração de todos, um símbolo máximo de muitas representações.


 

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