Português (Brasil)

|Crítica| 'Acabe com Eles' (2025) - Dir. Christopher Andrews

|Crítica| 'Acabe com Eles' (2025) - Dir. Christopher Andrews

Crítica por Raissa Ferreira.

Compartilhe este conteúdo:

 

'Acabe com Eles' / MUBI

 

Título Original: Bring Them Down (Irlanda)
Ano: 2025
Diretor: Christopher Andrews
Elenco: Barry Keoghan, Christopher Abbott, Colm Meaney, Nora-Jane Noone, Paul Ready e Susan Lynch.
Duração: 105 min.
Nota: 3,0/5,0

 

Longa de estreia de Christopher Andrews usa o thriller rural para explorar conflitos masculinos de território e brutalidade

Utilizar o meio rural para explorar tensões em relações masculinas não é uma novidade no cinema. A vida no campo, em qualquer tempo, remete ao faroeste, são cidades pequenas, com sensação de isolamento, em que as instituições não possuem força ou presença suficiente, são as pessoas, ou melhor, os homens que ditam as regras. As soluções em boa parte do tempo são definidas pelos indivíduos, seja por impulsos violentos ou acordos verbais. Esses thrillers rurais se apegam à ideia de que não importa a época, mesmo que o período retratado seja um presente de muita tecnologia, avanços e exposições, as tensões entre homens do campo ainda serão ditadas pela brutalidade, pelo sangue e pela terra. Mais recentemente, duas obras trabalharam essas questões de formas muito diferentes, Os Banshees de Inisherin, que usa o humor ao invés do suspense, satirizando como os homens se relacionam e se comunicam, e As Bestas, filme espanhol muito mais próximo da proposta do longa de estreia de Christopher Andrews.

Em Acabe com Eles, duas famílias que criam ovelhas na Irlanda são rivais. O protagonista, Michael (Christopher Abbott), tem uma história violenta no passado e uma antiga namorada que se tornou esposa de seu inimigo e vizinho, Gary (Paul Ready), pai do jovem Jack (Barry Keoghan). Ainda que a rivalidade entre esses homens tenha uma base territorial, a fotografia do longa limita a visualização do cenário mais amplo, priorizando que as relações entre eles seja mais relevante do que a compreensão da divisão do espaço rural. Curvas na estrada e subidas em montes ajudam a formar o isolamento do local, que Andrews reforça em sua narrativa ao nunca mostrar nenhuma autoridade, médico ou instituição que seja, tudo que a pessoa espectadora conhece em tela são fazendeiros, criadores de animais, suas casas e os campos que ocupam, resolvendo seus problemas entre si.
 

O flashback que abre o filme, portanto, liga um evento traumático do passado ao presente, ocultando da narrativa uma boa parcela de tempo. Neste período, marcado após o surto de Michael que levou à morte da mãe e a ferimentos e cicatrizes em Caroline (Nora-Jane Noone), nunca é revelado se ele foi preso, se houve alguma consequência por seus atos, ou se apenas permaneceu isolado criando ovelhas. Porém, são as marcas e rancores acumulados nessa elipse que culminam nos desdobramentos lidados em todo o restante de Acabe com Eles, principalmente por como os dois homens que se enfrentam, Michael e Jack, guiam suas ações pela forma que se relacionam com seus pais, atravessando uma expectativa masculina e patriarcal de postura, poder e orgulho, destacada no cenário rural, mais uma vez remetendo ao faroeste.

Do primeiro momento até o último, Michael age para suprir as expectativas de seu pai. O velho Ray (Colm Meaney), que se recusa a falar inglês em grande parte do tempo, é uma figura presa a uma cadeira, somente comandando o filho pela autoridade e voz. Apenas a ideia da mãe de Michael abandonar a casa é suficiente para o homem se descontrolar, como se fosse a ele mesmo que ela estivesse deixando. É o comando de Ray que incita Michael a buscar vingança na família de Jack, a matar, ferir, sempre resolvendo com as próprias mãos, com pouco diálogo e perturbado, exalando estar agindo contra sua própria vontade. O mesmo ocorre com Jack, muito espelhado pela figura paterna, copiando suas atitudes, servindo na criação de animais como seu ajudante, comprando suas rivalidades e buscando salvar a família e o casamento dos pais por si só.

Jack acaba tomando parte em atitudes extremamente brutais, mostrando contragosto semelhante ao visto em Michael. O jovem é estimulado pela mesma violência masculina que se dá como regra e lei nesse sistema rural. Enquanto as mulheres não tem vez e acabam optando pelo escape desse lugar e suas lógicas patriarcais, como a mãe de Michael, que morreu por tentar fugir, e Caroline, que arruma um emprego longe e pretende deixar o marido, os homens parecem presos a um ciclo sem fim de rivalidade territorial e egoica, como se a própria posse da terra os desse a crença de um poder superior, fazendo com que vizinhos sejam inimigos que ameaçam seus domínios. Isso fica mais evidente quando a família de Jack precisa passar pelo terreno de Ray e Michael, por um problema em uma ponte na estrada, e, mesmo com todas as crises entre os homens, é necessário pedir permissão. Quando esta é negada, o portão arrebentado, pelo qual a caminhonete passa por cima, se torna símbolo de um limite rompido sem retorno. Então, as consequências são físicas.

Como longa de estreia de Andrews, vê-se uma vontade de construir ideias a partir da sugestão da montagem, muitas vezes escapando da violência mais gráfica para priorizar a densidade da atmosfera. A apresentação dos dois pontos de vista, para que tanto Michael quanto Jack tenham seus lados trabalhados, os aproximando em suas semelhanças psicológicas e detalhando melhor a narrativa, é interessante, mesmo que às vezes pareça não se aprofundar o suficiente e, por isso, circula muito em torno das mesmas ideias. Mas, a construção de tensão é bastante eficaz - há uma sequência em que uma sacola cheia de sangue passa pelas mãos dos personagens e a sensação é que será uma referência exata da cena da caixa em Seven, mas Andrews opta por revelar a cabeça depois de levantar a expectativa -, e o clima de brutalidade é bem estabelecido, tornando Acabe com Eles pesado de se digerir em vários pontos. 

Compartilhe este conteúdo: