|Crítica| 'Mundo Proibido' (2025) - Dir. Alê Camargo e Camila Carrossine
Crítica por Raissa Ferreira.
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'Mundo Proibido' / UM Filmes
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Com visual impressionante e senso de humor, longa de Alê Camargo e Camila Carrossine retrata casal futurista de caçadores de tesouros, mas roteiro deixa a desejar
Mundo Proibido caminhou uma longa jornada para chegar até o momento atual, em que entra em cartaz nos cinemas brasileiros. Fujiwara Manchester, um dos personagens principais do longa, foi criado por Alê Camargo na adolescência, e teve sua primeira aparição em um conto que também inspirou aspectos do roteiro da obra atual. Alê se juntou mais uma vez a Camila Carrossine, sua dupla na direção de outras animações, e com muitos atrasos devido à pandemia, tiveram seu filme exibido pela primeira vez no mundo em 2022, no Festival Internacional de Animação de Annecy, um dos mais importantes para esse campo. A carreira em festivais não foi pequena, vê-se logo pelo amontoado de selos que abrem as telas antes do filme começar. Não é à toa, Mundo Proibido tem um visual realmente impressionante, o primor técnico da animação em computação gráfica pode espantar alguns que ainda não sabem que uma animação totalmente produzida no Brasil tem esse potencial. Ainda que a mais recente comoção coletiva com o cinema nacional tenha criado novos fãs, existem muitos campos inexplorados e com dificuldades em distribuição, o que não falta, de fato, é talento para obras que enchem os olhos como essa.
O casal Fujiwara Manchester (Pierre Bittencourt) e Lydia Moshivah (Shallana Costa) vivem no século 27, ou seja, em um cenário futurista de naves espaciais, trajes neon, armas de luz e viagens interplanetárias. Suas ocupações, no entanto, remetem às obras de aventuras com caças ao tesouro da história antiga. É justamente em um roubo de um artefato que Mundo Proibido começa e introduz sua ideia. Fuji lembra o arquétipo de aventureiro imprudente e sedento por adrenalina que se vê em jogos e filmes, sua maneira imatura de ser é um obstáculo para Lydia, mais racional e cuidadosa, que esboça uma vontade de algo mais sólido e estável para sua vida. Uma dualidade clichê entre personagens masculinos e femininos. Na primeira parte do longa estão as construções mais firmes da narrativa, até mesmo algum esforço para dar profundidade aos personagens, mostrando além de suas vidas perigosas de busca por lucro com objetos, outros traços de personalidade.
Até a introdução de Zi (Giulia Brito), o roteiro pode não ser dos melhores, o que é facilmente notado por como a questão técnica e visual do filme funciona tão bem, mas ainda é melhor que o restante. A garota, que é especialista em explosivos, vem como um ponto de tensão para a formação familiar que parece impossível para Lydia, pela imaturidade e imprudência de Fuji. Essa ideia não é trabalhada além disso, acaba abandonada sem um aproveitamento melhor, até porque assim que os três chegam no mundo proibido, a trama vai se simplificando cada vez mais. Tudo que há de dedicação e atenção aos detalhes nas imagens, não se vê com o mesmo apreço na história e na continuidade da construção dos personagens, que até parecem promissoras nas primeiras cenas. Mas ainda sobra um senso de humor bem divertido do texto.
A chegada ao mundo proibido também apresenta ao trio aventureiro uma sociedade totalmente nova, tão fascinante visualmente, quanto complicada em seus personagens. Os vilões são os trens obcecados por construir trilhos, que reciclam todo metal encontrado para essa finalidade, e que comem as pessoas pelo caminho. A ideia é divertida, mas um tanto infantil demais perto do restante da obra que parece mais madura. Porém, o problema de verdade está nos nativos, chamados de passageiros, que parecem na cor de pele e rosto com aliens comuns, mas com corpos humanos quase nus, uma caracterização que remete a algo mais simplista do que seria um povo indígena. Os passageiros usam lanças, falam em dialetos e possuem um patriarca mais velho que comanda o grupo. Aparecem por pouco tempo, mas nessas poucas cenas, Mundo Proibido lida com eles de uma forma meio reducionista, como se fossem selvagens ignorantes. Passa rápido, por sorte.
Fuji, Lydia e Zi, possuem um mapa e estão em busca de um tesouro, uma daquelas missões como a busca pelo El Dorado, mas a passagem pelo mundo proibido é um tanto breve e apressada, assim como ao encontrar o que procuram, fica evidente a falta de ideias e uma elaboração mais consistente. Na verdade, Mundo Proibido é divertido, seu visual é muito impressionante, e tudo isso acaba escancarando como ainda falta amadurecer o roteiro para que esteja no mesmo nível do restante. A trilha sonora também tem seus momentos ótimos, principalmente quando aposta nas guitarras e baterias ao invés das trilhas mais genéricas de aventura, que embalam alguns momentos mais clichês. Lydia e Fuji são personagens cativantes pelo senso de humor e suas ocupações, mas falta a eles mais, dá vontade de os conhecer melhor, ver seus potenciais sendo explorados.
Alê Camargo e Camila Carrossine demonstram grandes qualidades e Mundo Proibido é mais uma amostra que o cinema brasileiro também produz ótimas animações, independente do gênero. Aqui, a brincadeira com o sci-fi e a aventura de caçadores de tesouros com trilha de guitarras abre a curiosidade para ver o que mais pode ser explorado com esses personagens, principalmente afinando o roteiro para que faça jus à qualidade técnica das imagens.