|Crítica| 'Parthenope: Os Amores de Nápoles' (2025) - Dir. Paolo Sorrentino
Crítica por Victor Russo.
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'Parthenope: Os Amores de Nápoles' / Paris Filmes
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Em uma combinação da visão adolescente de Juventude com o esvaziamento das melhores qualidades espaciais de A Mão de Deus, Paolo Sorrentino vira alvo de sua própria sátira ao olhar para essa musa em sofrimento como representação da cidade de Nápoles
Dono de carreira irregular e uma tentativa escancarada de homenagear Federico Fellini, Paolo Sorrentino desde muito cedo (já fazia isso aos 40 anos ou antes) passou a olhar para a Itália, suas tradições e sociedade com uma certa ironia tanto aos valores do passado quanto com um tom de provocação às certezas rígidas do presente, algo que ele executa muito bem em seu longa-metragem anterior, A Mão de Deus, uma espécie de autobiografia que não tem medo de mostrar visões da época que hoje soam absurdas, além de criar um retrato particular do amadurecimento daquele garoto pela cidade de Nápoles por aqueles que passam pelo seu caminho. Ao mesmo tempo, desde A Grande Beleza (filme de 2013, quando o cineasta tinha 38 anos), mas, principalmente, com Juventude (de 2015), Sorrentino incorpora o ponto de vista de pessoas mais velhas, da elite intelectual e financeira, homens que não se sentem mais parte desse mundo e decidem confrontá-lo de diferentes maneiras. Sendo no segundo, a pior obra do cineasta, uma espécie de visão retrógrada que incorpora à mise en scène exatamente o que o cineasta parece tirar sarro, uma mistura de ironia e desejo. Resume-se àqueles atores com quase ou mais de 70 anos, olhando para mulheres mais jovens com um olhar até perverso em alguns momentos.
Parthenope retorna a Nápoles como o seu palco e representação desse lugar vivo que molda os personagens, enquanto altera a protagonista, mas não o ponto de vista em relação a Juventude. Ou seja, Parthenope (Celeste Della Porta) é a protagonista, quem move a história e também os olhares, mas nunca realmente nos aproximamos dela. Ela é, desde o nascimento, e principalmente em seus anos de juventude, essa representação da beleza intocável, tanto pelos personagens quanto por nós, os espectadores. Ela passeia pelo lugar, enquanto todos a admiram com fascínio, tesão ou os dois ao mesmo tempo. É a musa que sofre, que tem perdas, mas mesmo sua dor não nos é permitido sentir, não há empatia ou conexão, ela chora como um ser (teoricamente) sublime, quase descorporizado. Seu rosto e corpo são como esculturas vivas que mexem com todos ali, uma joia napolitana inigualável.
Ao adotar tal ponto de vista, essa visão externa, igualando-nos àqueles personagens secundários que a admiram, Sorrentino marca um retorno ao cinema clássico (a personagem, inclusive, continua se vestindo dessa forma quando o movimento hippie domina os jovens da cidade), colocando a mulher nessa posição de objeto, a “para-ser-olhada”, como diria Laura Mulvey. Não há contradição, reflexão ou provocação nessa escolha de Sorrentino, pelo menos, não na prática. Isso porque, por mais que tire sarro daqueles homens mais velhos impotentes, ele mesmo se sente nesse mesmo lugar, um lugar não tão perverso quanto adolescente, como um jovem (ou idoso) punheteiro de plantão que só espera o momento do gozo por aquilo que nunca poderá tocar (não à toa, quem irá tocá-la, com a permissão dela, e poderemos ver até certo ponto, é apenas a figura religiosa suprema, que desce dessa posição para voltar a ser humano, com a permissão da musa, claro).
Assim, se Parthenope move a narrativa, seguimos pouco conhecendo dela, o ponto de vista muda, sempre entre um personagem desinteressante e outro, alguns com mais tempo, outros com menos, não permitindo assim nem desenvolver esses e muito menos a figura central. Transforma-se em um grande jogo distanciado de observação apenas, tentando sempre linkar a protagonista à cidade, que Sorrentino filma com paixão, aproveitando o sol, as cores e movimentos de câmera sublimes marcados pela trilha sonora. Só que tudo é vazio como os personagens, Nápoles nunca vive como em A Mão de Deus, não molda ninguém, é apenas um espaço belo e morto, como a protagonista-objeto e o cineasta babão. Tudo se torna ainda mais contraditório quando só nos é permitido tocá-la, ou seja, conhecê-la, quando ela envelheceu mais 40 anos, quando não é mais essa “ragazza” que desperta interesse.