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|Crítica| 'O Bom Professor' (2025) - Dir. Teddy Lussi-Modeste

|Crítica| 'O Bom Professor' (2025) - Dir. Teddy Lussi-Modeste

Crítica por Raissa Ferreira.

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'O Bom Professor' / Mares Filmes

 

Título Original: Pas des Vagues (França)
Ano: 2025
Diretor: Teddy Lussi-Modeste
Elenco: François Civil, Shaïn Boumedine, Toscane Duquesne, Mallory Wanecque e Baraky Kebe.
Duração: 92 min.
Nota: 3,0/5,0

 

Teddy Lussi-Modeste faz o retrato de um homem de princípios e boas intenções, derrubado pela irritante ingenuidade ao lidar com suas crenças

A sinopse de O Bom Professor remete imediatamente a A Caça, de Thomas Vinterberg, trama também do turco Ervas Secas, obras em que uma aluna na infância ou adolescência acusa um professor de abuso, mas que lidam distintamente com os desdobramentos. O longa de Teddy Lussi-Modeste inicia praticamente a partir da denúncia, sem introduzir um vínculo com seu protagonista primeiro. Em algumas poucas cenas, é possível observar como Julien (François Civil) procura ter um bom entrosamento com seus jovens alunos e como funciona a dinâmica na sala da disciplina de Francês, aqueles que provocam e os mais reservados. Leslie (Toscane Duquesne) é destacada na encenação, pelo direcionamento do protagonista e suas palavras, mas também por sua timidez e maneira fechada de agir. Assim, quando a garota escreve uma carta relatando as investidas de Julien, a pessoa espectadora fica em uma posição complicada, já que os personagens descartam com facilidade a veracidade das denúncias, mas a obra oculta tudo que aconteceu antes e apresenta o conflito rapidamente, sempre observando demoradamente o rosto enigmático de François Civil. Logo, o julgamento só pode ser feito sem muitas informações e prevalece a dúvida.

Leva algum tempo até que fique claro que Lussi-Modeste não está particularmente preocupado em construir um dilema moral sobre a relação entre a aluna e o professor, o que ocorre conforme O Bom Professor elimina totalmente os questionamentos sobre a denúncia e fortalece que sua trama se interessa mais no retrato deste homem com boas intenções que é engolido pela deturpação de seus atos e sua insistência nos mesmos. Ocorre que Julien é construído como alguém que pretende o bem, como se relacionar de forma amigável com seus alunos a fim de melhorar seus processos de aprendizado e resultados na escola, mas também discipliná-los firmemente para que compreendam limites e regras, porém, o longa o confere ingenuidade até demais. Dessa forma, a progressão da trama complica cada vez mais a vida do professor que lida com cada novo problema de maneira ainda pior que o anterior, caindo em uma espiral que vai destruindo sua imagem, sua vida pessoal e profissional.

Um exemplo é quando a narrativa revela um acontecimento anterior, quando Julien levou alguns alunos com boas notas para almoçar, causando inveja nas meninas mais valentonas da sala. No momento imediato em que a denúncia de Leslie causa problemas à escola e resulta em ameaças do irmão violento da menina, o corpo docente rapidamente se mostra solidário ao professor, descartando qualquer possibilidade de que os relatos de assédio sejam verdadeiros. No entanto, conforme a situação se agrava com mais alunos implicando com Julien e reclamando de suas atitudes, os outros professores passam a se cansar de sua postura e escolhas. O mesmo ocorre facilmente com quem assiste à ingenuidade e falta de esperteza do protagonista que segue em embate com os adolescentes.
 

A sala de aula, com clima típico da idade dos alunos e suas imaturidades, busca refletir também o cenário social externo. Leslie, que claramente tem problemas familiares alinhados com essas questões, fica desamparada, engolida por tudo que acontece com o professor, e pela própria trama, que a torna apenas mais uma peça da derrocada de Julien. O Bom Professor concentra-se, então, em retratar o isolamento gradual do homem que é visto no começo com colegas sempre ao lado, até o blindando, e em brincadeiras com alunos, passando a ser filmado sempre com outros personagens virando as costas para ele, com olhares de desprezo e, ao fim, com atitudes mais drásticas e diretas. 

A sexualidade de Julien, a qual ele mantém, como toda sua vida pessoal, de forma muito discreta no ambiente de trabalho, é tida pelos outros como algo que seria problemático para os pais daquele bairro, mas uma espécie de álibi para as denúncias de assédio de uma garota, o que ele rejeita em sua firmeza. Quando é revelado publicamente que o professor é gay, essa questão se torna mais uma pedra que os outros personagens do filme vão atirar no homem. Lussi-Modeste não se aprofunda, então, em nenhum dos desafios e preconceitos que Julien enfrenta, mas os empilha na derrubada do protagonista que responde a cada pancada com mais ingenuidade, raiva e atitudes não muito pensadas. 

O Bom Professor é, afinal, o retrato de um homem de princípios e que, por estes, está disposto a continuar em um combate teimoso. Falta para o cineasta afinar melhor o embate da sociedade sempre preparada para julgar e tumultuar, contra o homem que quer fazer o bem, assim como a teima de Julien em tudo que acredita, que fica num campo simplista da personalidade e acaba alimentando os apedrejamentos desenfreados sem que o processo resulte em muito mais do que uma crescente implicância com o protagonista e incompreensão de sua repetição, em detrimento dos debates levantados pela obra. Escolher perder tudo, inclusive a paz, pelo que se acredita, se torna um caminho para se tornar alguém intragável, mas também escancara que os resultados são pouco eficazes.

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