|Crítica| 'Quando Chega o Outono' (2025) - Dir. François Ozon
Crítica por Victor Russo.
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'Quando Chega o Outono' / Pandora Filmes
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Filme anual de François Ozon volta a demonstrar o interesse do cineasta pela morte, dessa vez, de forma convencional e com uma trama cheia de choques aleatórios
François Ozon é um daqueles cineastas que têm um prazer por trabalhar, por lançar um novo filme todos os anos (foram 9 nos últimos 10 anos e 18 neste século, lembrando que houve uma pandemia no meio do caminho), o que para muitos é um motivo que deve ser valorizado. Porém, na prática, nem sempre (ou quase nunca) esse trabalho incessante se paga, visto casos raros, como Hong Sang-Soo (que parece entrar em um looping de desafiar a própria feitura de seus filmes a cada novo trabalho). Ozon, que tem seus melhores filmes em obras mais eróticas, provocativas e que flertam com gêneros específicos (como Swimming Pool, Jovem e Bela, 8 Mulheres, entre outras), parece alternar esse interesse (seu último é um longa de crime) com obras mais convencionais, recentemente, tendo o final da vida como interesse. Vale ressaltar, claro, que nem em seus melhores momentos o diretor era muito brilhante, mas quando parece produzir só para contar mais um longa em sua filmografia, a obra se destitui de qualquer personalidade, como mais um entre tantos dramas franceses familiares.
Ainda que haja alguma preocupação estilística aqui e ali, como o filmar a protagonista (Hélène Vincent) muitas vezes solitária em planos vazios ou completamente escuros, no geral, tudo se volta para a trama e os seus temas, algo semelhante a outro trabalho recente do diretor, o razoável (um tanto melhor do que Quando o Outono Chega) Tudo Vai Bem, de 2022. Se neste a discussão sobre a finitude se voltava para um trabalho familiar meio bobinho e hiperdramatizado com a eutanásia como foco, o longa de 2024 inicialmente se preocupa mais com o envelhecer, tendo Michele vivendo sozinha, com apenas uma amiga próxima, também solitária, para conversar, enquanto não mantém boa relação com sua filha (Ludivine Sagnier), que a despreza, e sofre com o afastamento para com o neto (além de nunca ter tido um marido presente, foi mãe solo). Porém, logo o morrer se transforma em um tema presente, no quase envenenamento da filha, no medo da protagonista por estar sofrendo com demência ou algo parecido, na morte da amiga, até que a narrativa estabelece o seu segundo choque (o primeiro é quase morte de Valérie), quando a personagem de fato morre. As suspeitas, que recaem sobre Vincent (Pierre Lottin), filho da melhor amiga de Michelle que acabou de sair da cadeia, ficam restritas ao público inicialmente, só nós sabemos da presença dele naquele apartamento, porém, Ozon nos impede de ver o acontecimento até o final. Estaria Vincent defendendo Michelle da filha e entregando a ela o neto ou foi mesmo um acidente? Nunca sabemos ao certo.
Essa parece ser a questão que molda o longa, inclusive retornando para as escolhas finais de Michelle e seu neto, definidoras para o futuro de três personagens, até que, por fim, Michelle encontre seu fim. A questão é que o longa tem uma dificuldade tremenda de dar qualquer profundidade a todos esses temas levantados, repetindo, inclusive, o artifício de interromper as cenas antes do fim para nos deixarmos na dúvida sobre o ocorrido (quase sempre a resposta vem logo no corte seguinte). É um longa bastante superficial tanto em trama quanto em trabalho estilístico, tudo é filmado da forma mais convencional possível, sobram planos médios em plano e contra plano, assim como cada cena parece ser construída para responder ou levantar o tema da vez, na maioria das vezes, morrendo nessa mesma cena sem qualquer desenvolvimento futuro. Vincent merece ser reintegrado à sociedade ou uma vez criminoso sempre criminoso? Valérie está certa em tratar a mãe dessa forma por conta de sua infância? Michelle é injustamente punida?
Outro ponto que parece central, mas não leva nada a lugar nenhum é mais um choque, a revelação aleatória de Michelle à policial, dizendo que a filha a odeia porque ela foi prostituta até o neto nascer. Isso resulta em um cara da cidade a xingando e o seu neto a ofendendo (mas voltando atrás logo em seguida). No final, o longa tem exatamente essa condução, quase como uma série de cenas mal interligadas e que se resolvem em si mesmas (ou na seguinte) com uma resposta pronta. O que poderiam ser bons temas para debate vira um drama familiar convencional cheio de choques aleatórios e respostas prontas, todas elas, não saindo da camada mais superficial possível.