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|Crítica| 'Código Preto' (2025) - Dir. Steven Soderbergh

|Crítica| 'Código Preto' (2025) - Dir. Steven Soderbergh

Crítica por Victor Russo.

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'Código Preto' / Universal Pictures

 

Título Original: Black Bag (EUA)
Ano: 2025
Diretor: Steven Soderbergh
Elenco: Cate Blanchett, Michael Fassbender, Marisa Abela, Tom Burke, Naomie Harris, Pierce Brosnan e Regé-Jean Page.
Duração: 94 min.
Nota: 4,0/5,0

 

Steven Soderbergh se desapega do radicalismo experimental de obras recentes sem nunca abandonar o seu amor pelo cinema de gênero hiperestilizado

Depois de ter o seus trabalhos mais reconhecidos e populares entre o finalzinho da década de 1980 e o começo dos anos 2010, Steven Soderbergh entrou de cabeça (e a parceria com a Warner, sobretudo no início das produções originais HBO Max, ajudou nisso) em um cinema disposto a experimentar com a linguagem e testar possibilidades das novas técnicas e aparatos, e o resultado foram obras como Distúrbio, Terapia de Risco, Nem Um Passo em Falso e Let Them All Talk. Algumas mais radicais formalmente, outras um pouco menos, Soderbergh parecia correr contra o tempo e obstinado a fazer cinema sem parar, às vezes com mais de uma produção por ano, mas com poucas realmente tendo o impacto de seu cinema anterior. Nem mesmo Logan Lucky, de 2017, seu longa teoricamente com mais cara de filme popular nos últimos 10 anos, ganhou tanto destaque, apesar de divertido, soando como um reprise sem tanta inspiração do que já tinha feito na franquia Ocean’s, principalmente  em Onze Homens e Um Segredo.

Código Preto chega então de fininho, sem a empolgação que o cineasta um dia teve (ainda que devemos valorizar diretores com essa ânsia por se arriscar e testar e houveram alguns bons resultados nesse período mais recente), e traz uma combinação entre o Soderbergh que trabalhava mais diretamente com os gêneros e aquele esteticista mais calculado (ainda que aqui pouco tenha do racialismo ou da inovação técnica que ele tem buscado muito). O plano inicial, com a câmera perseguindo George (Michael Fassbender) pelas costas sem vermos o seu rosto, enquanto passa por diversos espaços (remetendo um tanto a planos icônicos de filmes como Os Bons Companheiros e Boogie Nights), já cria uma apresentação misteriosa e chamativa para um personagem bastante contido. Essa combinação, em teoria,  meio contraditória, vai se apresentar durante todo o longa, quando toda a construção da mise en scène vai partir da escolha de planos simples, como uma cena montada em plano e contra plano, mas carregada de alguns artifícios um pouco mais presentes, como as velas na mesa que amarelam a imagem, o contraluz de luz fria que domina o ambiente e contorna os personagens ou mesmo em ângulos e tamanhos de planos menos sutis, como enquadramentos tortos ou closes repentinos em personagens após o restante da cena se desenhar de forma muito mais clássica.

Essa combinação entre o clássico mais sutil e o esteticismo mais acintoso tudo tem a ver com a obra em si, esse jogo proposto pelo diretor (a ideia de jogo inclusive ganha uma literalidade diegética a partir do momento que o casal estabelece jogos no início e ao final do longa para descobrir quem é o traidor entre eles) traça uma delimitação mais tradicional do filme de espionagem, com direito a toda a narrativa se estabelecer a partir de um macguffin (recurso típico de filmes com investigação e muito utilizado em filmes noir, de espião e do cinema Hitchcockiano como um todo, que coloca o peso de tudo na descoberta de algo, geralmente uma palavra, um código, uma pessoa ou um objeto, quando, na verdade, se desenvolve e revela que aquele não é o real interesse do longa), aqui sendo esse aparato capaz de matar milhares de pessoas, para aos poucos ir mostrando que o mais importante é a brincadeira com o casamento e aqueles casais que se formam na agência de inteligência britânica, e não necessariamente o futuro da humanidade, uma nova Guerra Mundial ou um dispositivo tecnológico capaz de destruir o governo russo.

A construção da narrativa coloca, como todo bom filme de espionagem, o público para tentar adivinhar e entender a trama junto àquele personagem, que não passa de um voyeurista, personalidade bastante presente no cinema a partir de Hitchcock, aquele que observa, como os espectadores de cinema. Só que aqui a manipulação de Soderbergh é bastante sóbria e calculada, sem aqueles artifícios ilusionistas que costuma usar (como nas já citadas Logan Lucky e trilogia Ocean). O jogo de poder é estabelecido pelos enquadramentos e a fotografia como um todo, com um simples plano e contra plano sendo capaz de dizer muita coisa sobre a ação daqueles personagens, ao mesmo tempo que o diretor e o experiente roteirista David Koepp usam e abusam dos diálogos como forma de nos revelar algumas verdades e muitas meias-verdades. Ou seja, sabemos a resposta cedo, mas não completamente. É a imagem que auxilia esse protagonista mais calado que vai nos ajudar a resolver o quebra-cabeça, até onde ele permitir, é claro, já que se trata de um voyeur capaz de agir e, inclusive, reconhecer (não literalmente) a presença do público observador.

Esse jogo que se declara como jogo retorna então para o seu início, a mesa de jantar do casal George e Kathryn (Cate Blanchett), um dos casais mais elegantes do cinema, por sinal. É sob o amarelado escuro e opressivo do lugar que eles dominam os colegas de profissão, onde obtêm respostas mais claras e finalizam aquela quase brincadeira que começaram uma semana antes. Soderbergh abandona o seu radicalismo, mas não a sua paixão por lidar com o cinema de gênero e muito menos a elegância e o rigor na escolha dos planos que estruturam essa encenação. É tudo tão frio e calculista quando o casal se apresenta perante os outros, deixando o amor apenas para quando estão sozinhos dividindo a mesma cama, comemorando mais uma vitória.

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