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|Crítica| 'Um Homem Diferente' (2024) - Dir. Aaron Schimberg

|Crítica| 'Um Homem Diferente' (2024) - Dir. Aaron Schimberg

Crítica por Victor Russo.

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'Um Homem Diferente' / Clube Filmes

 

Título Original: A Different Man (EUA)
Ano: 2024
Diretor: Aaron Schimberg
Elenco: Sebastian Stan, Renate Reinsve, Adam Pearson, Miles G. Jackson e Patrick Wang.
Duração: 112 min.
Nota: 3,5/5,0

 

Aaron Schimberg faz do humor uma possibilidade de sair dos caminhos mais óbvios e engessados pelos quais o tema geralmente é abordado

A comparação que vem ganhando força entre Um Homem Diferente e A Substância é tão esperada quanto difícil de sustentar para além da página 2. Enquanto Coralie Fargeat é bastante direta no que pretende dizer, com um discurso até mais simples à respeito de como a mulher é vista pela indústria do entretenimento e como isso afeta expectativas e tomadas de atitude, representado de maneira igualmente frontal e sem margem para muitas interpretações pelo horror corporal (até as referências visuais a O Iluminado, Carrie, Psicose e tantos outros filmes são bastante evidentes), Aaron Schimberg parte de uma temática central semelhante, ainda que inserida em um discurso mais universal, já que o protagonista aqui é um homem comum com seus 40 e poucos anos (Sebastian Stan), retirando tanto a midiatização quanto o gênero e idade da discussão (fatores bastante relevantes e que mudam percepções), mas complexifica o assunto ao não abordá-lo sob um viés tão didático e educativo, permitindo-se tirar sarro das expectativas, ridicularizar as referências mais óbvias, e não se apoiar nelas, inicialmente até nascendo pelo horror corporal e o drama introspectivo que marcam a obra de Fargeat quase em sua totalidade, mas, ainda que ele não abandone tais elementos, gradualmente o longa vai inserindo pitadas muito mais próximas do tom provocativo e absurdista dos Irmãos Coen. 

Assim, facilmente Um Homem Diferente pode ser visto como “pouco empático”, “errado” ou a banalização do sofrimento de Edward, percepções talvez um pouco limitantes e fechadas em uma cartilha de redes sociais que rejeitam qualquer tipo de ambiguidade e provocação ao que se acredita ser a forma correta de trabalhar temas espinhosos, a fim de “educar”. Tal dinâmica tem produzido cada vez mais filmes que não se permitem ousar, arriscar e que fecham qualquer discussão em respostas únicas e prontas. Schimberg, em mais uma parceria com Adam Pearson (que vive Oswald aqui), tem familiaridade e segurança o suficiente com o tema para inserir em seu conto de fadas trágico e macabro uma destruição física e moral de seu protagonista proveniente, em grande medida, da impossibilidade de voltar a ser o que ele é. Ou seja, é uma obra que tem um discurso essencialmente bem simples, a ideia de valorização do que a gente é, independente de como os outros nos enxergam, mas que, na prática e em como constrói a sua narrativa, tal tema vai ficando cada vez mais nebuloso. Há constantemente a desconstrução dessa narrativa mais clássica, de um Cinderela ou A Bela e a Fera, que geralmente romantizam como os diferentes são vistos. Edward escolhe não ser humilhado, mal visto, reprimido e usado por aquela sociedade, aceita o tratamento experimental e se transforma em um cara extremamente genérico, a ponto de nem vermos essa transformação em tela. A partir do momento que ele “mata” Edward e vira Guy (o nome não poderia ser mais genérico), um salto no tempo já o estabelece como esse corretor galã e sem personalidade, mas que nunca esquece quem realmente é.

Se o longa inicia então em um lugar comum, abraçando uma estética bastante setentista, sobretudo em como usa do zoom in rápido e das cores, a partir da transformação do protagonista ele passa a jogar com a nossa expectativa. Estamos acostumados a ver histórias da consciência sendo adquirida por esse protagonista que o leva a retornar ao seu verdadeiro eu, o ideal clássico de roteiro entre positivo e negativo, os pólos opostos que definem início e final da narrativa. Neste caso, seguindo essa ordem clássica, o personagem que surge sendo oprimido pela sociedade e busca uma transformação física, ao final retornaria ao seu verdadeiro eu ressignificado e feliz. Não é o caso aqui, já que o que vai ocorrer é justamente a impossibilidade dele vestir aquela máscara novamente, ou melhor, de tirar a máscara que colocou. Não importa o quanto insista em interpretar Edward, a máscara que bota por cima do seu novo rosto é agora percebido enquanto algo não natural, logo, não pode ser mais. É nessa crise de identidade da própria persona cinematográfica, em um filme que tira sarro de si mesmo constantemente, sobretudo por meio das hipocrisias de Ingrid (Renate Reinsve) e como ela tem uma ingenuidade perversa em sua percepção sobre arte e a própria culpa, que Oswald aparece, como o ideal que Edward jamais conseguirá alcançar, alguém que vive e cativa por como ele é (há um jogo aqui com o fato de Pearson viver esse personagem), colocando-se e sendo expansivo, contrastando com a timidez nunca perdida por Edward, nem mesmo quando adquire o rosto galanteador de Stan. É nesse momento que sátira de erros, horror e drama introspectivo se unem, impedindo a compaixão com aquele que rejeitou sua verdadeira face, mas nos permitindo rir de nervoso com cada passada de perna que a vida dá nele. Resta apenas a frustração do que poderia ter sido e não foi, com a ambiguidade gostosa que o filme é permeado.

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