|Crítica| 'O Conde de Monte Cristo' (2024) - Dir. Matthieu Delaporte e Alexandre de La Patellière
Crítica por Victor Russo.
'O Conde de Monte Cristo' / Paris Filmes
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Nova adaptação cinematográfica da obra de Alexandre Dumas encontra seus melhores momentos no isolamento do homem no espaço, mas vai perdendo força quando cede a uma trama mais literária que se explica sem parar
Existe história que o cinema não contou? Por que narrar mais uma vez uma obra tão famosa e adaptada? A resposta está sempre na palavra “narrativa”. Não importa o quê, mas como aquela história será contada por uma (na verdade, muitas) nova mente criativa. Pode parecer óbvio (e é), mas ainda se tem uma dominância na percepção popular de que o cinema deve apenas criar novas histórias, mesmo quando a maioria dessas obras supostamente originais não passam de releituras de tudo que já foi feito anteriormente ao longo de séculos de tantas artes (é só perceber quanto Shakespeare continua sendo adaptado aos milhões, e quando não se é dito que se trata de uma releitura de sua obra, passa despercebido e é aceito pela maioria das pessoas). Partindo desse princípio básico, Alexandre de La Patellière e Matthieu Delaporte escolhem o caminho do cinemão para a sua nova versão de O Conde de Monte Cristo, gritando em tamanho e orçamento, com grandes cenários, fotografados com drones, gruas e travellings expressivos, ora para o bem, ora em direção a uma adaptação novelesca mais literária (é quando o filme abre mão desses recursos visuais para focar em uma montagem dinâmica que visa apenas a exibição da história e as explicações do plano de vingança).
Assim, a direção tem uma primeira hora bastante potente, do salvamento que abre o longa, com grandes embarcações pegando fogo e planos que alternam entre o dentro e fora da água, destacando o momento de forma quase fantasiosa com o tempo parando dentro do mar, à, principalmente, tudo que envolve Edmond Dantès (Pierre Niney) após ser traído e preso. É uma direção que entende a força da imagem, como trabalhar uma fotografia que pensa os personagens no espaço e as sugestões por luzes e sombras. No escuro, magro, Edmond não parece capaz de enfrentar aquela gigantesca prisão, rodeada por mar e luzes que não encontram o interior das celas, salvo por uma fresta, que faz questão de reforçar as grades que impedem os personagens de ter liberdade. É só no encontro inesperado com o seu vizinho de cela (Pierfrancesco Favino) que passamos a perceber novas possibilidades de espaço, novas luzes, agora não do sol, mas de velas. É nos túneis cavados com calma, nas histórias contadas, ensinamentos recebidos e possibilidades de improviso que percebemos um vislumbre de como o protagonista poderá deixar o local e se tornar o que tanto aguardamos: O Conde de Monte Cristo, e a vingança virá junto a ele, altamente calculada, utilizando todos ensinamentos que recebeu, sabendo se disfarçar para atingir os seus objetivos, tanto motivações, quanto literalmente, ao vestir máscaras, uma alusão àquilo que os traidores fizeram com ele, por meio de mentiras e falsas personas para manipular o sistema.
O problema é que quando essa vingança inicia de fato, pouco resta nesse trabalho do homem no espaço, a grande potência cinematográfica do longa. Não que a fotografia não permaneça bonita, mas os sentidos vão sendo retirados dos movimentos suntuosos, que passam a ser apenas exibicionismo da produção francesa mais cara do ano. Tudo se volta ao de sempre, aqui com um apoio até bastante literário em pensar trama como causa e consequência sem refletir sobre imagem e som no processo. O plano rocambolesco e com alguns improvisos não vai sendo sentido de fato, já que não o vemos por meio da ilusão que o longa tanto clama, não visualizamos aquilo em imagens, não nos deixamos ser enganados, já que La Patellière e Delaporte nos puxa o tempo todo para os bastidores a fim de explicar tim-tim por tim-tim cada ação de Edmond e seus parceiros, recorrendo a recursos típicos de novela, que até casam bem o com o tom adotado de forma geral, mas vão perdendo efeito pela repetição, sobretudo o quanto quer parecer inesperado, mesmo que já saibamos o que vai acontecer. Jamais atinge o cinema da primeira hora, mas ainda consegue ser um agradável cinemão feito com esmero e ritmo, conseguindo manter algum interesse ao final das três horas.