|Crítica| 'Dying - A Última Sinfonia' (2024) - Dir. Matthias Glasner
Crítica por Victor Russo.
'Dying - A Última Sinfonia' / Imovision
|
Tragédia existencialista de Matthias Glasner tem a arte como catalisador de todas as emoções suprimidas
Sentados em uma mesa, logo após a morte do pai (Hans Uwe-Bauer), a mãe (Corinna Harfouch) olha no fundo dos olhos do filho Tom (Lars Eidinger) e diz que o deixou cair quando era pequeno, mas não para por aí, esse incidente desencadeia uma sinceridade descontrolada na mulher que revela nunca tê-lo amado ou se importado com ele, seria a outra filha Ellen (Lilith Stangenberg) a única que ela gostava. Uma lágrima escorre no rosto de Tom, mas ele se mantém frio, e com dureza responde à altura, dizendo que sempre odiou a mãe e que todo o sentimento era recíproco. Há uma certa comicidade implícita na forma como eles agem, com frieza, como se destruíssem o outro sem sentir nada, seguem despejando ódio, mas não há emoção, a luz fria e o plano e contraplano que os deixam distanciados só reforçam tal noção. O mesmo humor um tanto mórbido dá as caras timidamente quando os pais voltam do hospital, com a mãe dirigindo sem enxergar e pedindo para o pai lhe contar o que está diante do carro, tendo como punchline, em um plano externo e aberto, o garoto que o marido anunciou com desespero há quase 100 metros do veículo. A mesma sensação de desespero que gera um riso nervoso vai se apresentar por todo o longa, nas discussões entre Ellen e Sebastian (Ronald Zehrfeld) no consultório enquanto os pacientes estão com a boca aberta e sendo mexida por eles, ou mesmo nas reações e frustrações Bernard (Robert Gwisdek) com a sua composição ganhando vida. Se há tantas relações conflitantes ao acompanhar esses personagens durante esses vários capítulos que se cruzam, é parte do olhar de Matthias Glasner para a vida e para morte, por diferentes e interessantes óticas.
Entretanto, o mais curioso é como as diferentes artes se apresentam em relação aos personagens. Primeiro, Glasner cita Fanny e Alexander e Ingmar Bergman, mais uma vez com graça, como uma consciência de que seria impossível alcançar o mestre, o grande nome do cinema existencialista na história. Na incapacidade, ele brinca, insere o longa do sueco como uma piada na narrativa, mas toma outro rumo. Só que é sobretudo na música que os personagens vão encontrar um valor transcendental que os mantém ou não vivos.É só por meio dela que aqueles personagens frios passam a esboçar emoções e se entregar a elas. Ellen quando canta, vive, esquece tudo que acontece em sua vida, a falta de rumo, a relação com os pais ou mesmo a dependência pela bebida evaporam. Ela canta primeiro timidamente e já encanta Sebastian, depois, todo o bar vira uma espécie de segunda voz, um coral que ressoa esse sentimento de estar viva correndo por suas veias. Ao mesmo tempo, quando ela passa mal e estraga a estreia que Bernard tanto aguardava, impedindo que ele visse sua criação ganhando vida, é o final para o personagem já deprimido e confuso. Ele se mantinha vivo apesar de tudo, mas não poder ser tocado pela música é mais forte do que tudo.
Em contraposição, a morte dele vai encontrar profundidade e significado apenas por essa música sendo tocada posteriormente. Primeiro, quando decide se matar, Tom, relutante, permite e permanece no local, com a mesma armadura fria, esperando para impedir Mi-Do (Saerom Park) de entrar no banheiro caso ela chegue. Ela nunca aparece, pelo menos não antes da polícia e da narrativa deixar aquele local. É então quando ela começa a tocar e Tom a reger que o universo deixa de existir por alguns minutos, só há aquelas notas transcendentais e por meio delas os personagens ganham vida com o luto e a dor sendo expressas pela incompreensão que é a arte. Glasner mantém tudo ali, com uma decupagem que mal mostra a plateia ou o restante da orquestra durante quase toda a cena, só importa Tom e Mi-Do, o amigo e a namorada, que conseguem finalmente expressar os seus sentimentos mais profundos, não por diálogos, mas pelo som dos instrumentos. É como se o longa que tanto busca falar sobre a morte e como cada um enxerga isso, conseguisse quase materializar o tema que interliga personagens e história naquele momento, a música e a arte como a profundidade necessária para sentir o inexplicável. As risadas já não existem mais aqui, terminamos o filme em prantos.