|Crítica Mostra 2024| 'Barba Ensopada de Sangue' (2024) - Dir. Aly Muritiba
Crítica por Victor Russo.
'Barba Ensopada de Sangue' / Globoplay
|
Os artifícios para a manutenção do mistério vão ficando manjados, enquanto a morte ronda o protagonista, que se mantém inacessível
Baseado no popular livro de mesmo nome, escrito por Daniel Galera e publicado em 2012, Barba Ensopada de Sangue busca no mistério não só uma descoberta de quem matou o avô, mas de quem realmente é esse protagonista (Gabriel Leone), uma espécie de jornada de autodescoberta a partir de um distante desconhecido. Só que tal questão mais introspectiva, muito facilmente resolvida na literatura, sofre para ganhar as telas, apesar dos muitos close-ups que Aly Muritiba faz em Leone. É um personagem distante emocionalmente, de difícil conexão, restando ao público acompanhá-lo muito mais pelo mistério que ele busca solucionar e nos engaja, e também por perceber uma rejeição completamente desmedida daquela comunidade a ele e ao nome de seu avô, do que exatamente por uma aproximação emocional, já que ele não se abre nem com aqueles mais próximos que surgem durante sua jornada.
Assim, somos conduzidos muito mais pela trama do que pelas pessoas nela envolvidas. O filme fala sobre a morte a todo instante, do pai, do avô, um flerte do próprio protagonista, constantemente ameaçado, ou daquele local que historicamente foi palco para uma matança de baleias, ao qual a maioria parece não ver muito problema. Só que é mais um tema que está presente sem nunca ser muito desenvolvido, o que prejudica inclusive a resolução mais simbólica e que foge a toda a concretude do gênero de suspense com flertes no terror que toda a narrativa busca.
Só que, a partir do momento que resta apenas o gênero, apenas a construção daquele mistério, rapidamente somos engajados, queremos descobrir o que aconteceu e por que aquelas pessoas agem daquela forma, qual a razão delas temerem tanto o personagem e o seu avô a ponto de tentarem a todo custo expulsar o mais jovem, seja por mal, com ameaças, ou por bem, com o reconhecimento do seu interesse amoroso de que eles precisam sair dali. O lugar que se vende como paraíso na terra não passa de uma construção, que Muritiba tenta reforçar pela imagem e o suspense pela escuridão, em planos iluminados sutilmente apenas, para gerar apreensão. Entretanto, lá pela metade começa a ficar muito manjado o arsenal de recursos que Muritiba se utiliza para tentar sustentar um suspense meio frouxo, que poderia ser resolvido muito mais rapidamente. São diálogos em que os personagens sempre respondem algo completamente diferente do que foi perguntado, cortes que suprimem informações, a noite como momento de perigo ou a inserção de elementos que só existem para cumprir uma função e rapidamente são ignorados, como o fato do protagonista ter uma deficiência que faz esquecer rostos, algo resumido a duas cenas.
Mas não há um interesse real por desenvolver nenhum dos personagens, presos a exatamente a uma mesma função inicial e o próprio rumo do mistério vai perdendo o interesse a partir da percepção dos artifícios. Mesmo o trato da imagem vai deixando de ter sentido já nos primeiros minutos, visto que o longa é filmado a partir de uma razão de aspecto bastante horizontal, o que permitiria explorar o ambiente, gerar planos com profundidade e fazer tudo em volta engolir os personagens. Porém, essa aproximação com o scope pouco se justifica, já que a decupagem do longa fica praticamente toda presa a planos aproximados, closes que inclusive são difíceis de enquadrar por conta da horizontalidade do plano, além, claro, de uma baixa profundidade de campo, em um filme construído sobretudo por planos e contraplanos, um suspense que fica preso aos diálogos e não se expõe pela imagem.