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|Crítica| 'Blitz' (2024) - Dir. Steve McQueen

|Crítica| 'Blitz' (2024) - Dir. Steve McQueen

Crítica por Victor Russo.

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'Blitz' / Apple TV+

 

Título Original: Blitz (UK)
Ano: 2024
Diretor: Steve McQueen
Elenco: Saoirse Ronan, Elliott Heffernan, Harris Dickinson e Benjamin Clémentine.
Duração: 120 min.
Nota: 2,0/5,0

 

Em seu filme menos inspirado, Steve McQueen faz da Segunda Guerra Mundial e a destruição da Inglaterra cenário para frases de efeito e uma narrativa robótica e inofensiva

Um ano após Occupied City, documentário maduro que serve de memória e resgate histórico, Steve McQueen volta mais uma vez o seu olhar para a Segunda Guerra Mundial e as consequências das ações do nazismo, mas, agora, buscando nas “blitz” um valor de história para acontecimentos e personagens ficcionais. Assim, McQueen busca criar um recorte da Inglaterra do período, da luta das trabalhadoras por melhores direitos, com destaque para Rita (Saoirse Ronan), ao racismo materializado por como agem com George (Elliott Heffernan), mas que se expande para outros personagens, como seu pai, um bombeiro e um imigrante árabe. Tudo isso, na verdade, envolto em uma narrativa de desencontro entre mãe e filho, sendo o real objetivo do longa, enquanto constrói os seus discursos pelas interações que os personagens têm pelo caminho, sobretudo George, que fica sem rumo trombando com pessoas de todas as idades, que o acolhem, desprezam ou se usam dele. A Guerra e as blitz, que dão título ao longa, viram algo secundário frente a destruição moral e física daquele espaço, reforçada pelas bombas caindo e a cidade constantemente filmada em ruínas. Só que tais ideias funcionam só no papel, enquanto, na prática, o longa não poderia ser mais inofensivo, romantizado, ingênuo e protocolar.

Se McQueen é acusado por muitos de fetichismo ou apelativo por conta de seu filme mais famoso, 12 Anos de Escravidão, e podemos sim dizer que é um diretor sem um estilo tão definido entre todas as obras da sua carreira, ainda que o racismo seja um tema recorrente em boa parte dela, tanto o filme vencedor do Oscar, quanto seus outros longas e séries, inclusive os mais fracos, como o razoável Viúvas, há personalidade na direção, um pensamento de imagens e sons, como no uso da profunidade, das cores e rimas visuais em 12 Anos de Escravidão, a escolha pela monotonia que desconecta o áudio do visual em Occupied City, ou mesmo em uma cena banal de Viúvas, que filma uma conversa “secreta” por fora do carro, escondendo aquelas pessoas no plano. Entre acertos e erros, fãs e pessoas que o acham bastante irregular, McQueen nunca foi conhecido por fazer filmes genéricos, no piloto automático ou Oscar Bait sem qualquer inspiração… até Blitz ser lançado. 

Em grande medida, o longa lembra o ainda mais fraco Império da Luz, de Sam Mendes, que também tem suas pautas, despeja tudo nos ombros da fotografia de Roger Deakins, mas parece não haver um real interesse na execução do filme. Já em Blitz, os talentos transbordam, mas McQueen parece não ter intenção alguma de utilizá-los, Ronan se esforça, mas não consegue fazer muito com o que lhe é entregue, Hans Zimmer mal aparece, em um filme que trilha é praticamente inexistente, e Harris Dickinson é tratado com um descaso total, sendo um coadjuvante que beira o figurante, em um personagem que nunca vai para frente. Dá impressão de que a Apple propôs a McQueen fazer esse longa em busca do Oscar, tendo o tema da Segunda Guerra, Ronan e Zimmer como atrativos suficientes para a premiação, já que é difícil encontrar algum interesse do cineasta em fazer cinema durante as quase duas horas de projeção. É tudo automático, pré-programado, colocado em uma caixa pronta do filme que a Academia sempre valorizou, mas nem para isso há muito esforço, nem os momentos mais melodramáticos geram algum tipo de interesse no espectador. Tudo é apenas inofensivo e sem graça.

Há duas cenas que podem definir os opostos do longa, o que o domina e o que praticamente inexiste. Comecemos pelo segundo, umas das poucas boas cenas, quando o diretor constrói uma fuga para o seu jovem protagonista, finalmente vendo um grupo com o qual se identifica, até que tudo é interrompido abruptamente, com um trem atropelando o seu amigo e a obra sentido o choque junto com o personagem, nos deixando sem ação, como se tudo congelasse em tela, mas os sons, ainda que manipulados, se fizessem presentes. É pontual, nenhuma outra cena consegue encontrar qualquer carga tipo de dramática e sensorial parecida, o resto se reduz a texto, diálogos superficiais e de discursos prontos, resumindo problemas e buscando conciliações tolas. Chegamos a uma segunda cena, muito mais representativa do todo. George chega a um bunker, e lá um casal branco usa um lençol como cortina para separar seu espaço da cama ao lado, em que habita um árabe. Nisso, outro personagem, um homem negro que passa rapidamente pela vida de George, arranca o lençol e diz que quem segrega é Hitler e não eles, que eles devem permanecer unidos apesar das diferenças. É essa ingenuidade quase infantil e genérica que toma conta da obra como um todo, restando muito pouco a ser valorizado ou sentido realmente.

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