|Crítica| 'Herege' (2024) - Dir. Scott Beck e Bryan Woods
Crítica por Victor Russo.
'Herege' / Diamond Films
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Apesar da atuação intrigante de Hugh Grant, a veia provocativa de Scott Beck e Bryan Woods não sai do debate mais raso sobre religião, em mais um longa de terror da A24 com vergonha do seu gênero
Ao mesmo tempo que produziu e distribuiu diversos grandes filmes quase todos os anos, a A24 deixa um rastro irremediável no gênero de terror (e não só nele), com um discurso fortalecido e propagado pela empresa de rejeição às sensações mais básicas em prol de uma suposta elevação pelo drama, pelos simbolismos e por discussões “profundas e complexas”. Longe de ser um longa de trauma, como tantos outros nessa tendência recente do terror, e não deixando muita margem para símbolos que pedem para ser interpretados, Herege não rejeita completamente a apreensão típica do terror, ainda que nunca mergulhe de fato no horror e o que há de mais corporal e aflitivo nesse gênero, com exceção a um susto um tanto telegrafado e mortes não tão inspiradas. É na busca por debater “temas sérios” que o longa deposita seu real interesse, em uma espécie de jogo argumentativo em que o charmoso e indecifrável vilão (Hugh Grant) desafia suas vítimas, as jovens Irmã Barnes (Sophie Thatcher) e Irmã Paxton (Chloe East), a refletir sobre a religião que tentam impor a outras pessoas, buscando revelar contradições e sugerindo uma real possibilidade de fuga para elas caso o vençam.
Se a premissa é boa o suficiente, sobretudo por como Grant controla a cena, mas encontra desafiantes, principalmente em Barnes, à altura, o que a direção de Scott Beck e Bryan Woods sugere com os constantes cortes de closes do vilão para sua mais forte oponente, aos poucos vai ficando claro que a dupla não tem realmente a capacidade provocativa que tanto almejam, reconhecendo isso em determinado momento que Barnes desconstrói todos os argumentos bastante rasos do dono daquela casa labiríntica. Fica eveidente como os cineastas visam em Grant uma figura imponente, sobretudo por todo o conhecimento que adquiriu ao longo dos anos estudando as mais variadas religiões, mas, faltou para os dois também se debruçarem sobre o tema, já que, na prática, o que deveriam ser argumentos afiados para instigar o pensamento e cutucar as igrejas como essas instituições construídas pelos homens para manipular outros homens, não passam de ideias meio bobas e rasas, típicas de adolescentes que querem tirar do sério pessoas mais velhas e religiosas da sua família. O que deveria ser um grande conhecedor do tema não é capaz nem sequer de compreender a ideia da figura de Deus (ou deuses) ou da fé como algo que vai além apenas das instituições e como isso dialoga com o desamparo de muitas pessoas.
Toda essa discussão, que permanece até o final, parece reconhecer sua fragilidade a ponto de causar uma morte inesperada que muda o rumo do longa, desconstruindo os personagens, sobretudo o de Grant, e, a partir dali, resumindo tudo a um discurso fuleiro de que religião é o mesmo que controle, e transformando aquele embate de ideias em uma filme genérico de serial killer, em que o grande gênio não passa de apenas um lunático qualquer que apanha mulheres jovens e as prende. Nunca houve disputa, tudo se resumia a coação e até a tentativa de falar sobre manipulação soa falha, a partir do momento que aquelas garotas de 20 anos de idade estavam presas por um velho perverso que não as dava qualquer opção.
Assim, quando toda a provocação perde força, já é tarde demais para o longa investir no terror que tanto ignorou. A mise en scene nunca realmente desenvolvida, assim como os espaços daquela casa, que é sugerida como um grande labirinto, mas tudo se resume a três cômodos basicamente, e resta ao espectador apenas esperar o longa terminar, sem sentir muita coisa e com direito a mais uma sacadinha boba ao final. Como a maioria dos longas denominados pelo infame termo “pós-terror”, basicamente tudo se resume à premissa, broxando no desenvolvimento e, sobretudo, na tentativa de amarrar toda a narrativa.