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|Crítica| 'Gladiador II' (2024) - Dir. Ridley Scott

|Crítica| 'Gladiador II' (2024) - Dir. Ridley Scott

Crítica por Victor Russo.

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'Gladiador II' / Paramount Pictures

 

Título Original: Gladiator II (EUA)
Ano: 2024
Diretor: Ridley Scott
Elenco: Paul Mescal, Pedro Pascal, Denzel Washington, Connie Nielsen, Joseph Quinn e Fred Hechinger.
Duração: 148 min.
Nota: 3,5/5,0

 

Reconhecendo a incapacidade de ser o anterior e sentindo o peso do primeiro filme, Ridley Scott dobra a aposta, transforma os uns em dois e responde com exagero aos fiéis do realismo histórico

Gladiador 2 é antes de mais nada um filme do tempo atual de seu diretor. Tal afirmação pode parecer uma obviedade, não seria todo filme uma representação do cineasta naquele momento? Em parte sim, mas com Ridley Scott nesse momento da carreira tudo ganha um ar diferenciado, de resposta, um tanto passivo agressivo, de alguém na indústria há cinco décadas, que segue trabalhando a todo vapor (ainda que o resultado da maioria dos seus últimos filmes sejam tão ou mais irregulares quanto foi toda sua carreira) e, como fica bastante evidente em suas entrevistas dos últimos anos, com uma ânsia de não dar mais satisfação a ninguém. A própria ideia dele dirigir a sequência do filme de 2000 remete bastante a essa atitude de mandar uma banana para quem se incomodar, de usar o sistema contra ele mesmo, deslocando-se do tempo presente do cinema no processo. Scott nunca quis essa continuação, mas ao perceber que seria feita de qualquer jeito pelo estúdio, então que faça ele mesmo, do jeito que deseja e acumulando todos os comentários que ouviu durante décadas. O longa parece uma resposta àqueles historiadores que o criticaram em todos os seus filmes históricos, inclusive Gladiador, à obsessão pela verossimilhança no cinema atual e às próprias franquias que retornam apenas pela replicação nostálgica. Essa ânsia cria uma bagunça, um filme desajeitado, mas não desprovido de personalidade e ânsia de fazer cinema. Megalópolis e Gladiador 2 serem lançados praticamente juntos no Brasil cria um diálogo interessante, entre dois dinossauros da indústria, o primeiro bancando seu projeto de amor, reconhecendo que não pertence mais a esse cinema e se libertando de todas as amarras para criar um filme livre em sua criação, mas não acrítico ao sistema e ao mundo. Já o segundo, ainda é parte dessa Hollywood dos engravatados que bancaram os U$300 milhões de produção e mais algumas centenas de milhões em marketing, só que, enquanto Francis Ford Coppola sabe que não faz mais parte desse lugar, Scott segue ali, de birra, como se estivesse gritando a todos “vocês vão ter que me engolir”.

Dessa forma, tudo que o longa peca em construção de trama e personagens, com um Lucius de Paul Mescal mudando de ideias e objetivos de uma hora para a outra, um didatismo frequente para explicar a política do período e também o que aconteceu no longa atual (são pelo menos quatro cenas para reforçar que Hanno é Lucius e que Maximus é o seu pai, e mais umas três para deixar bem claro que já sabe disso), além de uma certa desconexão daqueles que retornam do primeiro filme com os que são criados para esse, Scott compensa a partir do exagero como resposta a um reconhecimento de que já não pode replicar o longa de 2000, que nasceu sem um antecessor, diferente do filme de 2024 que chega como uma sequência tardia, que nem mesmo Scott queria que existisse. Pensar a estrutura do longa é também entender como ele vai gerando um desprendimento gradual e uma entrega à canastrice. Lucius começa então seguindo os passos de Maximus, como em uma repetição do primeiro filme, uma vontade de reiterar, da guerra que sucede uma perda e o transforma em escravo obrigado a lutar como gladiador nas arenas, motivado por uma sede de vingança. Só que já na primeira batalha, nos arredores de Roma, Scott começa a revelar um certo desprendimento, quando coloca Lucius de quatro, fazendo sons de macacos e mordendo o mesmo animal como forma de sobrevivência. É o primeiro passo do longa rumo a essa perda de seriedade, a esse reconhecimento de incapacidade de ser o primeiro, mas não se desprender completamente dele. Como um anseio de um diretor que nasce em período de tendência maneirista, Scott não reencena com vulgaridade e exagero a partir do clássico, como era comum nas décadas de 1970 e 1980, mas o faz a partir de sua própria obra. 

O fardo de Maximus se instala por todo o longa, aquele mito que ficou eternizado e não pode ser replicado, mas não como fan service (apesar de em alguns momentos Scott ceder à referência nostálgica, como no reprise das cenas do filme de 2000), e, sim, como um peso mesmo depositado nos ombros de Lucius, que se esforça para dizer que ele não pode ser Maximus, ainda que se aproxime ao final do que foi o seu pai. Scott escolhe multiplicar então, ainda que esse dobro muitas vezes signifique uma divisão. O I do título inicial se torna II, o que pode ser apenas uma ideia de design para rebuscar a revelação da sequência, mas que não poderia dizer mais sobre o filme. O imperador agora são os gêmeos, se Lucius não pode ser Maximus sozinho, Acacius (Pedro Pascal) o auxilia como a figura romana militar e querida por seus homens, essencial para o golpe funcionar, e que também estava presente na construção do personagem de Russell Crowe. A própria relação entre os personagens em cena vai se resumir quase sempre ao número dois. Raramente são três pessoas, ou mesmo uma só. Tudo é encenado a partir dessa obsessão pelo duplo, Lucius e Ravi (Alexander Karim), Lucilla (Connie Nielsen) e Acacius, Lucius e Lucilla, Lucius e Macrinus (Denzel Washington), os imperadores gêmeos (Joseph Quinn e Fred Hechinger), ou mesmo em como o confronto entre Lucius e Acacius, e principalmente entre esse e Macrinus vão se desenvolver, com multidões postas à margem enquanto a luta acontece entre duas pessoas. 

Só que essa ideia da multiplicação se apresenta também em escala e como isso leva a um novo tom. O aprofundamento na parte política, agora em uma Roma ruindo completamente, transforma todos ali presentes em caricaturas, não há mais espaço para Lucilla, mas há palco para Macrinus brilhar, com Washington tendo uma liberdade para se divertir como essa figura farsesca, um vilão manipulador tão detestável quanto fascinante em cena. Ou mesmo e sobretudo nas arenas, em que os tigres do primeiro longa, que mantinham aquela seriedade possível, agora se transformam em lutas com babuínos, com um rinoceronte gigante e o coliseu inundado para replicar batalhas históricas, enquanto tubarões passam por baixo dessas embarcações e devoram os que caem dela. É um filme que não quer ser simplesmente uma sequência maior do que o primeiro, é um anseio megalomaníaco que compreende acima de tudo o seu lugar no cinema atual e responde mais ao agora do que ao filme de 2000, sendo este posto em um pedestal, como inalcançável (ainda que seja mais fraco que a sua sequência). Se Scott recusou inclusive elementos históricos no original, como a cena dos gladiadores besuntados divulgando produtos de comerciantes locais (os gladiadores eram essas celebridades e muitos desses jogos eram financiados por esses empresários que tinham suas marcas expostas), entendo que o público não saberia desse fato real e acharia tudo aquilo meio ridículo, agora o cineasta não só não tem medo de inundar a arena e encher de tubarões e toda a piada que isso pode virar nas redes sociais, como ele faz questão de exibir aquilo com grandiosidade, vindo de uma aérea e mergulhando na água para mostrar os animais sedentos por sangue, assim como a plateia e os imperadores. É esse tipo de desprendimento que revela Gladiador 2 como um filme do seu criador nesse exato momento.

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