|Crítica| 'Black Tea - O Aroma do Amor' (2024) - Dir. Abderrahmane Sissako
Crítica por Victor Russo.
'Black Tea - O Aroma do Amor' / Imovision
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Algumas belas composições visuais não sobrevivem em meio a uma narrativa difusa, rasa, contraditória e, por vezes, involuntariamente racista
10 anos após o mundialmente aclamado Timbuktu, o mauritano Abderrahmane Sissako retorna com um filme bastante diferente, um romance melodramático confuso e difuso, duas palavras que estão interligadas durante as quase duas horas de projeção. Mesmo a sinopse, que fala sobre Aya (Nina Mèlo), uma jovem marfinense, dizendo não no dia de seu casamento e indo morar na China, mais precisamente em Guangzhou, e se apaixonando por Cai, um homem chinês de 45 anos, dono de uma loja de chá, mas com o preconceito local os obrigando a esconder esse relacionamento, soa muito mais completa e complexa do que o material apresentado em tela. A começar pelo racismo, que teoricamente é o tema do filme e seria o impeditivo daquele romance se mostrar para o público, não só dentro do filme, mas há uma recusa de Sissako inclusive em evidenciar aquele amor para o espectador, o que soa um tanto contraditório e até confuso durante boa parte da narrativa, que teoricamente seria sustentada por essa relação, mas a impressão que fica é que os dois só estão flertando de forma desajeitada, e, não, de que há um romance realmente em curso. Entretanto, as ações mais racistas partem do próprio Cai, uma figura um tanto detestável, mas o próprio Sissako parece não ver muito problema, assim como Aya, quando o personagem fala sobre chamá-la de chá preto. No restante, para além das atitudes do sogro de Cai, outra figura machista e ainda mais racista (já que Cai não se evidencia como alguém racista, mas tem um fetiche no mínimo esquisito por mulheres negras), Aya parece ser querida por aquela população local. Na verdade, todos naquele espaço parecem viver em uma espécie de harmonia otimista.
Só que, se o filme até encontra alguns elementos mais interessantes, sobretudo no início, quando Sissako sempre filma a protagonista colocando alguma “barreira” entre a câmera e ela, seja filmando-a de fora do estabelecimento com reflexos do vidro aparecendo, seja com objetos de cena em primeiro plano e fora de foco permitindo que apenas parte de Aya seja evidenciando, uma sugestão relativamente eficaz dessa posição da personagem, aos poucos, tudo vai degringolando em uma narrativa que constantemente até busca alguns planos visualmente mais interessantes (mas que pouco vão além dessa beleza, na maioria dos casos), só que, como um todo se espalha para personagens e até tempos e lugares distintos, gerando não só uma confusão e diminuição do romance e da presença de Aya na narrativa, como, principalmente, buscando algum tipo de complexidade ao focar em umas dezenas de personagens, a maioria deles por uma ou duas cenas, como o mulçumano na loja de roupas, mas que não passam de distrações, resumidas a uma ou outra frase de efeito, que, no geral, não se justificam ou encontram alguma razão maior para a obra. Parece uma tentativa de construir aquele espaço em que a ação principal ocorre, tornando-a multifacetada, porém, para isso funcionar minimamente, os diálogos (que é basicamente o objeto que o longa todo vai tentar utilizar para construir temas ou relações) deveriam apresentar algo. Não o fazem, tudo que sai da boca dos personagens é escrito de forma precária, tentando sempre buscar um clima transcendental a partir dessas filosofias de botequim.
Tudo se acentua ainda mais quando Sissako escanteia Aya e torna Cai o seu foco narrativo, não percebendo a moralidade questionável do personagem e focando nele como uma figura supostamente complexa e apaixonada. Dá impressão de que faltam partes entre os diálogos e as cenas, como quando ele relata uma história, o flashback nos é apresentado e tudo que se sucede depois não conversa muito com esse retorno no tempo. As coisas pioram em uma espécie de sequência de sonho dele com a filha abandonada, uma combinação de todos esses elementos capengas dessa narrativa difusa de Sissako. Ao final, a incompreensão é tão grande no espectador quanto a incapacidade de sentir algo com aquele romance mal retratado. Parece uma série de cenas e sequências que acontecem aleatoriamente, como se começassem a rodar de improviso assim que a câmera fosse ligada.