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|Crítica Mostra 2024| 'I Saw the TV Glow' (2024) - Dir. Jane Schoenbrun

|Crítica Mostra 2024| 'I Saw the TV Glow' (2024) - Dir. Jane Schoenbrun

Crítica por Vitor Russo.

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'I Saw the TV Glow' / A24

 

Título Original: I Saw the TV Glow (EUA)
Ano: 2024
Diretora: Jane Schoenbrun
Elenco: Justice Smith, Brigette Lundy-Paine, Ian Foreman, Helena Howard, Lindsey Jordan e Danielle Deadwyler.
Duração: 100 min.
Nota: 3,0/5,0

 

Jane Schoenbrun tem na nostalgia e no cinema uma forma de identificação e fuga, não rejeitando os códigos do gênero, nem se libertando das “amarras” da A24

Cineasta não-binária, Jane Schoenbrun é conhecide por filmes estranhos nesse cinema indie americano, o que lhe possibilitou um pouco mais de liberdade para realizar I Saw The TV Glow, um longa que não só é da A24, mas também carrega certas afetações bastante próprias da empresa. Ao mesmo tempo, Schoenbrun consegue driblar esses clichês até certo ponto, em um longa que é bastante direto em seu discurso, apesar de carregar a estranheza típica desse terror que flerta com Videodrome, de David Cronenberg, e até com o horror cósmico em certo sentido. Entretanto, não há mais exatamente um medo na televisão ou nas telas, como foi muito comum durante muitos anos e segue até hoje, apesar das telas contemporâneas serem outras. Schoenbrun tem uma certa nostalgia em como percebe aquele aparelho, retornando à segunda metade dos anos 1990, e situando boa parte de sua narrativa ali, tendo como protagonista Owen (Justice Smith), que teria mais ou menos a mesma idade que a sua naquele período.

Então, o longa explicita o seu discurso, das bandeiras e pinturas nas ruas de arco-íris, ao uso do rosa estilizado já nos créditos iniciais, se tornando ainda mais claro em diálogos entre os personagens, revelando como eles não pertencem àquela dominância heteronormativa socialmente imposta. Só que, é curioso como Schoenbrun não tenta perceber tais questões da não-binaridade no contexto atual, teoricamente um pouco mais aceito por um número maior de pessoas, o filme do hoje retorna ao passado, à infância, quando essas pessoas eram ainda mais deslocadas. A TV se transforma então em encontro dos “diferentes” e fuga da realidade ao mesmo tempo, lugar em que a metalinguagem parte para construir uma narrativa dentro da narrativa em que os personagens são afastados como as garotas do Pink Opaque, ou pelo menos como Owen lembrava do programa que via na infância. Assim, há uma certa revelação nesse passado nostálgico (e aqui nostalgia não é algo necessariamente positivo como nos foi imposto pela indústria há tantos anos), como a lembrança de algo que realmente não existiu, ou pelo menos, não daquela forma. As telas enquanto uma falsa memória de uma época, a construção das pessoas a partir de uma projeção distorcida.

Se Schoenbrun torna claros os seus discursos, o seu trabalho com o gênero de terror é muito mais ambíguo, buscando acima de tudo uma identificação, não só pelo que viveu, mas principalmente a partir de um sentimento bastante contemporâneo: a ansiedade. É justamente nesse lugar de manipular a narrativa sem se fixar em nenhum tempo, seguindo personagens que parecem flutuar pelos anos, traçando até nessa abordagem narrativa e na montagem uma relação mais poderosa com como Owen e Maddy (Brigette Lundy-Paine) se sentem, que o longa também esbarra em um lugar bem menos ousado do que toda a premissa e a proposta estilística sugere. É quando os maneirismos mais típicos de filmes que a A24 ama produzir e/ou distribuir se fazem presentes, uma não permissibilidade de mergulhar completamente no gênero de terror, segurando seus personagens mais enquanto discursos do que como pessoas, revelando a ansiedade como tema central e forçando Smith a respirar ofegante e gritar em uma pretensão mais ingênua de buscar um cinema elevado, mas que fica bastante descompassado. Como se por retratar personagens deslocados, eles precisassem agir sempre de forma distante, distância essa que é um dos males do cinema contemporâneo, a suposição de que a verdadeira arte é mostrar pessoas que não se comunicam, o que até funciona aqui quando Schoenbrun se permite parar e construir aquela relação, mas nem tanto quando vira uma espécie de fetiche para esses personagens adultos. Ainda assim, há uma proposta estilística e narrativa dominante bastante interessante nesse filme um tanto introspectivo, mas também expansivo em imagem, cheio de referências e capaz de lidar com códigos de gênero para construir um discurso imagético e sonoro (as músicas aqui são um ponto alto do longa) complexo sobre a relação nostálgica com um passado distorcido de pessoas esquecidas à margem da sociedade.

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