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|Crítica| 'Malu' (2024) - Dir. Pedro Freire

|Crítica| 'Malu' (2024) - Dir. Pedro Freire

Crítica por Victor Russo.

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'Malu' / Filmes do Estação

 

Título Original: Malu (Brasil)
Ano: 2024
Diretor: Pedro Freire
Elenco: Yara de Novaes, Juliana Carneiro da Cunha, Carol Duarte e Átila Bee.
Duração: 103 min.
Nota: 4,0/5,0
 

Desde a escolha de Yara de Novaes, até uma encenação calcada em texto e atuação em poucos cenários, Pedro Freire transforma o teatro em cinema rejeitando a simplicidade de discurso para construir suas mulheres complexas

Malu adentra um conflito geracional entre três mulheres, a avó Lili (Juliana Carneiro), a mãe e protagonista Malu (Yara de Novaes), e a filha Joana (Carol Duarte) para pensar no Brasil enquanto herança de discursos e vivências, as reações que cada nova geração terá frente à anterior, a construção de pensamento a partir da aceitação ou rejeição do que veio antes dentro de um contexto que pertence apenas ao presente. Para tal cenário, em que o teatro é a concepção artística de uma atriz que lutou com seu corpo e voz contra a ditadura militar, Yara, de larga carreira nos palcos, parece a escolha perfeita para viver essa mulher difícil, expansiva, de discurso revolucionário, crítica ao que veio antes e ao que se impõe ali na década de 1990, mas também repleta de contradições. Ao mesmo tempo, Pedro Freire brinca, na construção de seu cenário, com essa arte que tanto inspirou o cinema, um longa que se passa praticamente todo dentro de uma casa, a qual Malu muito fala, mas nunca leva para frente o seu sonho de transformar o lugar em um centro cultural com um teatro na parte de cima. O texto que se sobrepõe enquanto comédia e drama, assim como a dependência das suas atrizes corresponderem com seus rostos conflituosos, faz o longa se aproximar bastante de um ideal mais clássico do teatro, mas que só poderia funcionar sob a dependência da câmera cinematográfica e todo seu jogo de luz e sombras, em uma decupagem que busca esses rostos em close-up para o confronto se impor, assim como tem nos planos detalhes típicos dessa arte a capacidade de construir pequenas sutilezas ou sugestões.

Em um recorte sem espaço para o patriarcado, com personagens masculinos heterossexuais praticamente retirados da tela, com o marido de Malu ou seu pai citados apenas como sombras que não se fazem presente, mas continuam a tirar a paz dessas mulheres, são elas quem refletem todas as contradições de uma sociedade em constante mudança, em conflito até com o seu próprio espectro político ou classe, visto que Malu e Joana vão pertencer à uma mesma classe artística progressista, só que carregando ideias e ideais completamente diferentes e pertencentes aos seus tempos históricos respectivamente. Freire recusa, então, as simplificações que têm tomado conta do cinema brasileiro e internacional em período de redes sociais, dominado pela validação moral, em que personagens são apenas bons ou ruins dependendo de qual lado político se encontram, quase como caricaturas de um país sonhado. Não é assim na vida real, não é assim em Malu.

Claro que Lili surge como essa personagem para se odiar, extremamente preconceituosa, dona de atos terríveis, como internar a filha à força só por não concordar com suas atitudes ou no atentado que era para atingir Tibira (Átila Bee). Ao mesmo tempo, a personagem demonstra certa doçura com a neta, às vezes com Tibira, que diz odiar, e tem momentos de compaixão com a filha, que a maltrata por todo o rancor que guarda pela mãe. É também reflexo de um período histórico em que filhos raramente se rebelavam contra os pais e mantinham uma visão patriarcal e conservadora que se impunha há séculos no Brasil, muito refletida na dolorosa história que conta sobre os abusos do pai para com sua irmã, e que gera reações bastante distintas entre ela e os demais ouvintes. Malu também passa longe de ser o que acredita, guarda frustrações, reage violentamente contra tudo que acredita estar errado, não quer aceitar que o seu tempo já passou, que se acomodou em sonhos e recusas, que também já não pertence àquele momento, e que muitos dos seus discursos se transformaram agora em escudos de proteção e um impedimento de aceitar a realidade. Joana é quem vê tudo de fora, quem chega e se reconhece no momento atual, conseguindo perceber boa parte das contradições do passado, mas nem sempre lidando da melhor forma com elas, ou, pelo menos, não se mantendo em um lugar da razão extrema, o que não caberia nessa obra. 

Freire faz suas personagens brigarem, gritarem, se divertirem, fazendo o público rir e chorar com elas e, às vezes, delas. Sua homenagem a sua mãe nunca a coloca em um pedestal, pelo contrário, seu interesse está na intimidade e desavenças desse país em eterna construção, como aquela casa, que tem bases sólidas sedimentadas, mas dificilmente crescerá e se modelará a partir de acabamentos ingênuos ou revolucionários. O lugar de não entendimento que é abandonado para um novo começo distante dali, uma abertura entre as diferentes gerações que tarda a encontrar alguma sintonia.

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