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|Crítica| 'Megalópolis' (2024) - Dir. Francis Ford Coppola

|Crítica| 'Megalópolis' (2024) - Dir. Francis Ford Coppola

Crítica por Victor Russo.

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'Megalópolis' / O2 Play

 

Título Original: Megalopolis (EUA)
Ano: 2024
Diretor: Francis Ford Coppola
Elenco: Adam Driver, Nathalie Emmanuel, Aubrey Plaza, Giancarlo Esposito, Shia LaBeouf, Jon Voight e Laurence Fishburne.
Duração: 138 min.
Nota: 5,0/5,0

 

Francis Ford Coppola reconhece o seu deslocamento em relação ao tempo presente de Hollywood e imagina pelo cinema maneirista a única utopia capaz de salvar a sociedade

Megalópolis é um projeto tão envolto em discussões, debates e suposições, comentado como a obra da vida de Francis Ford Coppola a ponto de se criar lendas sobre há quanto tempo ele desejava colocar esse filme em prática, que o longa parece nascer insignificante frente ao mito, como se pouco importasse o que realmente está em tela e gerasse mais interesse a capacidade desse diretor milionário de bancar do bolso mais um filme arriscado em período de Hollywood controlada por executivos medrosos. Tal percepção diminui a possibilidade de pensarmos em linguagem, em como as imagens nos tocam e nas narrativas que soam cada vez mais pré-programadas nessa indústria. Esquece também do cinema enquanto imaginação e criação, uma rejeição às análises quadradas e matemáticas da crítica americana, ou do realismo autoimposto na imagem e a obsessão pela lógica, mesmo em filmes que adentram mundos fantasiosos ou lidam com um futuro incerto distópico. Se Megalópolis é um filme belamente imperfeito e que vem dividindo a crítica e sendo rejeitado pelo público mundo afora, é menos por discursos prontos de que Coppola é alguém incompreendido e que só vai ser reconhecido depois de muitos anos, e mais pela capacidade imaginativa de criar e pensar cinema a partir de imagens, sem medo de soar ingênuo, óbvio ou até simplista em seu discurso, mas concebendo com fascínio e paixão um mundo que transpira em tela de forma grandiosa e vívida. É o reconhecer o maneirismo não mais apenas como a única possibilidade imagética, mas também temática, de pensar um universo e discursos a partir dessa relação com o passado para modificar o presente e construir um novo futuro.

Falar em maneirismo em obras lançadas em 2024 é quase tão arriscado quanto o longa de Coppola. Uma tendência dominante sobretudo nos anos 1970 e 1980, mas com possibilidades nos 50, 60 e 90, marcada por uma geração dentro e fora de Hollywood que sentia o peso do clássico, a consciência de que tudo já havia sido feito, em termos de histórias e gêneros, e que, a partir disso, era necessário lidar com o que veio antes a partir de uma nova concepção estilística, o exagero, o esgarçamento e ressignificação do anterior a partir de imagens que olhavam para o passado como farsa ou ruptura, não apenas como homenagem. Tantas décadas depois, em um momento de fetichização com a nostalgia, de referência pela referência, mas também da seriedade em pensar o mundo, com dureza nas imagens, com a abundância de obras distópicas sombrias e desesperançosas, Coppola reconhece o seu lugar enquanto um artista que o tempo já passou, mas que, como seu protagonista Cesar Catilina (Adam Driver), tenta pará-lo, manipulá-lo, para a partir disso ter um último suspiro para reimaginar essa arte a partir de tudo que veio antes e também de uma ruptura com o presente para idealizar o futuro. 

Assim, a própria criação desse mundo é bastante direta e até literal nessa concepção maneirista. É uma Nova York (presente) que virou Império Romano em tempos de decadência (passado) em uma distopia (futuro). Essa ideia já de retornar a um passado para modificá-lo e gerar algo novo a partir disso se dá em toda a concepção estilística do longa, uma Nova York romana que não é nem Roma, nem Nova York. Também não é uma espécie de Gotham City, apesar de se aproximar mais disso do que das figuras reais, mas ser dominada por elementos de várias épocas, com uma fotografia que busca a ambiguidade do dourado, aquela ideia de glória farsesca, uma queda anunciada de império que não abandona os seus luxos nem nos seus últimos suspiros. Ao mesmo tempo, ganha luz uma sociedade utópica, ainda que carregada de imperfeições e contradições, uma Megalópolis futurista, impossível, dominada por um sentimento de destruição das classes, uma rejeição ao individualismo capitalista e às falhas da modernidade para pensar no conjunto, em um organismo que se alimenta, em uma simbiose entre as pessoas e o local. 

Mas não há qualquer naturalidade nessa construção espacial ou narrativa. As atuações são exageradas como aquele mundo megalomaníaco, as imagens transbordam a tela com beleza, mas também imaginação. A fantasia cinematográfica como a única possibilidade de um futuro melhor frente às lideranças fascistas e seus discursos mentirosos e manipuladores. Mais uma vez, Coppola remete ao passado, aos líderes de extrema-direita que chegaram ao poder, mas também aos que hoje tentam ocupar esse espaço com novas técnicas, como o deep fake. Tudo isso se desenvolve pelo macro, por personagens que não habitam apenas um tempo histórico, que são parte de uma fábula, assim como têm ambiguidades em suas construções, de figuras reais, da tragédia shakespeariana, de arquétipos cinematográficos, tudo sob uma lógica que só pertence àquele mundo, que combina tudo em um espaço e tempo, um tempo que fica suspenso a partir do seu artista que vai perdendo o controle do que pode ou não fazer. Coppola é esse artista que parece despejar todas as suas vontades em Megalópolis, de falar sobre o mundo atual como objeto final de interesse temático, mas reconhecendo nele uma limitação que o seu cinema não resumirá. Toda a ingenuidade e literalidade das personagens presentes vão dando lugar a um fluxo de pensamento desse criador e sua capacidade de compor imagens, abandonando uma narrativa linear ou controlada para captar cada sentimento em seus grandes planos cheios de truques e efeitos, do casal em andaimes se apaixonando sob aquela cidade destruída às transições circulares que não pertencem nem àquele mundo, mas apenas à mente do seu protagonista e criador. E, ao final, resume toda aquela megalomania estilística e temática bastante progressista, ao otimismo até um tanto conservador de ver no nascimento de uma nova criança o futuro, a manutenção dessa espécie que destruiu o mundo, mas é a única capaz de mantê-lo existindo, almejando um amanhã melhor do que o hoje e ontem. Qualquer argumentação mais racional ou fechada sobre a obra parece impossível e ingênua, é um filme que é tão direto como aberto, uma fábula que constrói o seu fluxo sensorial a partir de referências infinitas do real e da ficção e que pede ao seu espectador que retorne mais vezes a esse mundo para ser absorvido por ele.

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