|Crítica| 'Todo Tempo Que Temos' (2024) - Dir. John Crowley
Crítica por Victor Russo.
'Todo Tempo Que Temos' / Imagem Filmes
|
John Crowley tenta dar uma grife ao romance melodramático de perda, mas tem seus melhores momentos quando aceita os códigos mais básicos do gênero
O que um dia foi o cinema de autor, de diretores que pensavam em uma forma de transformar o que já existia em algo novo, sem rejeitar ou ter vergonha do cerne de cada um desses gêneros, cada vez mais tem se transformado em uma espécie de grife, uma recusa ao sentimento mais básico, do melodrama, por exemplo, para usar artifícios que revelam uma pretensão meio pomposa, mas que não poderiam ser mais batidos. John Crowley é um desses diretores dos últimos 20 anos que parece interessado em gêneros específicos, só que sente uma necessidade de “fazer mais cinema” do que o mais comum de seus semelhantes. Assim, tendo em mãos um roteiro extremamente simples e convencional, típico das adaptações cinematográficas das obras de Nicholas Sparks ou John Green, Crowley rejeita uma linearidade mais tradicional em Todo Tempo Que Temos e investe antes de mais nada numa complexificação temporal, embaralhando os momentos da relação do casal (vivido por Florence Pugh e Andrew Garfield), criando expectativas, como o divórcio ou o acidente, que parecem inicialmente a separação entre eles, mas rapidamente se revela como o relacionamento anterior de Tobias. Mas, ao final, não se surte nenhum efeito, revela-se como um artifício bem barato para fazer o filme parecer menos simples do que ele realmente é, até porque, se por um lado o tempo em que ocorre cada cena não é citado textualmente, por outro, não só é fácil de compreender quando acontece cada coisa, como o longa tem uma necessidade de evidenciar em diálogos cada uma dessas peças, não restando nenhuma dúvida no espectador.
Então, se o roteiro e a montagem já revelam essa pretensão em fazer algo diferente, mas que nada tem de realmente novo e menos ainda de estruturalmente complexo, a direção e a seleção de imagens toma um caminho bem semelhante, com um resultado bastante parecido. Ele por um lado se usa de recursos narrativos bem simples, como a montagem que acelera o tempo a partir de microeventos, como uma forma de colocar o roteiro para andar, assim como a trilha sonora intrusiva aparece constantemente gritando para o público chorar, como se as situações vividas pelos personagens não bastassem por si só, enquanto, por outro, recorre a artifícios que, teoricamente, saem do mais básico, rejeitando uma iluminação mais romantizada e exagerada e planos estáticos. Porém, pouco se pensa em decupagem, o filme fica preso aos mesmos planos de sempre, se resume a filmar em plano médio e close-up, repetindo a seleção de enquadramentos basicamente todas as cenas, e tendo como o suposto diferencial uma iluminação mais natural e fria em cenas externas, e amarelada e calorosa em momentos de paixão, tudo isso com uma câmera fora de tripé, que balança ora mais timidamente, ora um pouco mais agitada. Ou seja, formalmente não poderia ser mais simples, o que não teria nenhum problema, não fosse essa pretensão meio ridícula em querer parecer autor. Isso é tão bobo que, no fim, até as cenas de sexo são montadas da forma mais convencional em Hollywood desde a época do código hays, com o casal começando a se beijar até que corta para o posterior ao ato.
Dessa forma, se o filme não é ruim é justamente porque, em meio a toda essa visão um tanto infantil de rejeitar o gênero, Crowley pelo menos consegue realmente adentrar na relação mais bonitinha do casal com paixão, com os códigos de sempre do melodrama e da comédia, sobretudo quando abre mão da trilha sonora e permite ao espectador respirar aqueles momentos, as trocas de olhares, os suspiros e o choro muito provocado pela empatia pela situação. Assim, em meio a toda uma pompa, o longa vai funcionar quando aceita a simplicidade do melodrama, quando Crowley larga essa pretensão ao autorismo que ele é incapaz de atingir.