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|Crítica| 'Sorria 2' (2024) - Dir. Parker Finn

|Crítica| 'Sorria 2' (2024) - Dir. Parker Finn

Crítica por Victor Russo.

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'Sorria 2' / Paramount Pictures

 

Título Original: Smile 2 (EUA)
Ano: 2024
Diretor: Parker Finn
Elenco: Naomi Scott, Kyle Gallner, Rosemarie DeWitt, Lukas Cage, Raúl Castillo, Dylan Gelula e Ray Nicholson.
Duração: 127 min.
Nota: 3,0/5,0

 

Com a mitologia já posta, Parker Finn determina uma protagonista e materializa, sem nenhuma vergonha, os temas por meio do horror, levando suas ideias até as últimas consequências

Sorria 2 tinha tudo para ser mais uma sequência desinteressante de uma nova franquia do horror. Todos os sinais estavam presentes, começando pelo primeiro longa, pensado não apenas para se fechar dentro de si mesmo, mas já criado para ser uma franquia, deixando pontas soltas para uma sequência caso fizesse sucesso de bilheteria, o que aconteceu, quando o orçamentos de U$17 milhões se transformou em mais de 200 milhões. O retorno de Parker Finn na direção, que se apresentou no anterior como uma espécie de diretor operário, sem muitas ideias para além de fazer o mais básico e genérico, algo típico do método Blumhouse, também não deixava muito otimismo. Entretanto, a sequência passa longe de ser apenas a continuação para lucrar com o sucesso do anterior, pelo contrário, o segundo longa se aproveita da mitologia já estabelecida e consegue ir por um caminho bastante diferente. É como se a base já tivesse ficado estabelecida, agora Finn pode realmente fazer o que deseja.

Assim, se o anterior não determinava muito um protagonista, mas transformava a ideia de uma entidade que passa de pessoa para pessoa (o que Corrente do Mal tinha feito muito bem para abordar o medo das infecções sexualmente transmissíveis) na maneira de comentar sobre a depressão e sua letalidade quando não levada a sério, matando diversos personagens, a sequência muda o foco, até vemos duas mortes, uma na ótima abertura em plano sequência, outra na passagem da entidade para Skye (Naomi Scott), mas o filme estabelece a partir daí o protagonismo da cantora pop retornando da habilitação para uma nova turnê. É bem verdade que, em grande medida, o longa carrega um discurso anti-drogas meio moralista e simplório, mas, aos poucos, isso vai se diluindo e se transformando em um olhar para a representação feminina, tanto no cinema, quando na sociedade, visto aqui na figura de Skye, como alguém que tem tudo e não tem nada ao mesmo tempo, a ansiedade e desespero de viver para obrigações, horários apertados e falta de sono e alegria para curtir qualquer momento. Ela se transforma nesse condutor e também no objeto de empatia do público, não se tratando mais de uma construção do terror apenas pela presença de alguém em tela sendo ameaçado, mas pela focalização em um indivíduo com desenvolvimento narrativo. 

Assim, o cineasta pode construir uma crescente desse medo a partir de uma única mente, o olhar de Skye para o seu entorno que torna cada vez mais impossível a diferenciação entre o real e a manipulação, o medo de um tempo como consumidor e construtor de um novo mundo à nossa volta. Ainda que a depressão seja tema de alguma forma, Finn parece mais interessado agora nas consequências da midiatização e da formação de mitos populares, apresentando Skye a partir de um dolly-in bem lento que vai se aproximando de uma televisão passando um programa sobre celebridades que tem a protagonista como convidada para falar sobre o seu retorno após a reabilitação, tanto das drogas quanto do acidente de carro que tirou a vida de seu namorado, um ator famoso (Ray Nicholson). Ou seja, vamos observá-la primeiro de longe, por um objeto de difusão do entretenimento e consumo, para chegarmos tão próximos que não há mais a percepção dessa barreira. O que vamos ver a partir de então é não mais apenas essa mulher enquanto ícone, mas como representa a sua própria vida fora dos holofotes, sem assistência ou contato humano.

Finn, com muito mais liberdade do que no primeiro longa, não se resume apenas a encenar sustos e cenas de morte, menos ainda a explicar o funcionamento da entidade, já compreendido a essa altura. Para o bem e para o mal, o que diferencia Sorria 2 é justamente como se usa de códigos desse terror mais popular, sobretudo na preocupação com a violência (por sorte o filme não é PG-13 e pode mergulhar de cabeça em elementos mais gráficos, como mortos despedaçados, olhos furados e corpos desmembrados) e os sustos, muitas vezes reforçados pela trilha e pelos efeitos sonoros, ao mesmo tempo em que tem os seus temas muito presentes, mas nunca se resume apenas a ser um filme “sobre algo”, como ficou muito comum nesse terror psicológico dos últimos anos. Finn está interessado em materializar o horror até as últimas consequências, se usando de referências que vão do body horror de David Cronenberg às danças macabras que se assemelham muito a Suspiria, de Luca Guadagnino. O medo ganha forma, sentimos na pele o tormento da personagem, assim como a ansiedade e perda de noção do que é ou não real. O cineasta faz a entidade brincar conosco enquanto usa Skye, somos testemunhas e parte do que a personagem sente. Nesse sentido, o momento mais emblemático, e que reforça como a materialização do sentimento é a grande pretensão do longa, é o final, em que vemos pelos olhos da personagem a entidade se transformando em algo grotesco apenas para ela, enquanto essa a manipula a fim de atingir mais pessoas, usando o corpo feminino como palco para se difundir, se midiatizar e não ter mais qualquer restrição.

O filme só não é mais poderoso em toda a sua abordagem sensorial, pois Finn tem uma limitação em sua pretensão estilística. É um longa que grita a cada enquadramento, a cada movimento de câmera, e, claro, pelo som, sendo este uma intrusão meio barata em muitos momentos mais tensos, em que a imagem se resolvia por si só, mas, principalmente, há uma repetição dos mesmos artifícios à exaustão, que funcionam em um primeiro momento, como o plano-sequência inicial cheio de panorâmicas evidentes para a construção do espaço e do perigo ou o dolly na televisão que vai de um plano mais aberto para um super close na apresentação de Skye, só que vão perdendo força quando percebemos que parecem ser os únicos recursos no arsenal de Finn. Na terceira ou quarta panorâmica, dolly-in ou o mundo se virando cabeça para baixo, a sensação que fica é de desconforto pelos recursos estilísticos limitados e o cansaço dessa pretensão que não vai além da página 3.

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