|Crítica| 'Coringa: Delírio a Dois' (2024) - Dir. Todd Phillips
Crítica por Victor Russo.
'Coringa: Delírio a Dois' / Warner Bros. Pictures
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Sequência ensaia uma resposta à recepção do anterior, mas se perde em um mar de propostas largadas pelo caminho, do roteiro à encenação
Todd Phillips faz parte de um movimento curioso e aleatório no cinema hollywoodiano recente de cineastas (como Adam Mckay e Peter Farrelly) que surgiram em uma comédia mais besteirol, visto por muitos (erroneamente) como “baixa arte”, e após um filme bem recebido pelo Oscar ou por Festivais do segundo semestre, com um ar mais sério e autoral, teve uma guinada na carreira rejeitando aquele cinema anterior para um com uma pompa de superioridade, ainda que cada um deles adote um caminho bastante distinto. No caso de Phillips, Coringa foi essa virada de chave e Coringa: Delírio a Dois o filme seguinte, apenas cinco anos depois e, muito provavelmente, o tipo de obra que não foi planejada inicialmente, mas que o cineasta aceita ao perceber que com ou sem ele o estúdio fará uma continuação para aquele que explodiu as bilheterias. Só que, se por um lado, a Warner deve ter se arrependido de toda a liberdade dada ao cineasta nessa sequência, bem menos comercial que o antecessor, apesar da figura popular que é a Lady Gaga, por outro, os prêmios e aclamação do anterior parece ter pesado menos para Phillips, que cria aqui muito mais uma resposta àqueles que vangloriaram indiscriminadamente a figura um tanto neofascistóide com esse discurso anti-sistema bastante adotada pela extrema-direita ao redor do mundo nos últimos anos, a ponto do personagem se tornar um símbolo nas redes sociais para pessoas com tendências de incel. É uma espécie de Tropa de Elite 2: O Inimigo Agora é Outro versão hollywoodiana em um universo de super-herói (ainda que Phillips ridicularize os símbolos desse universo e os diminua frente ao seu cinema), em que o cineasta não se arrepende do antecessor, pelo contrário, faz questão de exaltar sua obra diversas vezes com Lee/Arlequina (Gaga) dizendo para o Arthur/Coringa (Joaquin Phoenix) que o filme sobre ele (uma clara referência à obra de 2019) é fantástico, porém, direciona o discurso para aquele fã que via o personagem como um mártir, recriando em grande medida essas pessoas dentro da própria diegese.
Só que, se o direcionamento de discurso se aproxima do filme de José Padilha, na prática, Coringa: Delírio a Dois tem uma execução mais próxima de MaXXXine (também resultado de um cineasta que deixou o ego crescer após a sua aclamação pelos fãs da A24). É um filme sem rumo, mas não no sentido mais liberto da palavra, que permitiria a Phillips criar a partir disso, exagerar e levar a narrativa e encenação para onde quisesse a partir da liberdade que recebeu. Pelo contrário, apesar de não ter um foco específico, abrindo uma série de possibilidades e não levando nenhuma para frente, da escolha dos musicais, extremamente mal encenados, quase sempre se resumindo à figurinos e maquiagens chamativas, e músicas que parecem ter sido cortadas na metade, sem nenhuma coreografia, elemento básico dos filmes que Phillips tanto quer referenciar, até as diversas discussões temáticas, sendo a principal delas a saúde mental do protagonista, que nunca sai da superfície, ficando em um jogo meio raso de realidade e ficção. É justamente essa dinâmica que nunca fica clara se é delírio/condição mental/maldade do personagem, apesar do discurso final, que molda a encenação e toda a narrativa do longa. É como se Phillips tomasse toda a liberdade que tem, fazendo todas as áreas da produção (fotografia, figurinos, direção de arte etc) criarem composições visualmente lindas, pelo menos em quadros isolados, mas não conseguisse propor nada para além dessa beleza plástica vazia e estática, na maioria das vezes, já que a movimentação esperada por um musical não existe, ao mesmo tempo que, não só a estrutura acaba se tornando convencional e repetitiva, a partir do momento em que as cenas cantadas e pouco dançadas sempre aparecem da mesma forma, sendo claramente pontuadas para não deixar dúvidas entre ficção e realidade, de um corte que mostra o personagem pensando, dormindo ou delirando antes ou depois da cena musical aparecer. Mais do que isso, conceitualmente, a mente pouco explorada do Coringa ser bela e imaginativa dessa forma, soa completamente contraditória com as ações e reflexões caóticas que o filme mal propõe a seu respeito.
O mais frustrante é justamente essa falta de imaginação de Phillips, que reforça o seu bom cinema do primeiro longa (pelo menos essa é a visão meio egóica dele, pontuada pelos diálogos), exibe as suas muitas referências em quadros que aparecem em cena, em enquadramentos, iluminações, trechos em televisões e no cinema da cadeia, claramente se esbalda na liberdade criativa que tem, mas o que ele consegue propor a partir disso não soa apenas inacabado, como, principalmente, banal. São imagens bonitas vazias em discurso, canções que reforçam o que os personagens já exibem, mas pouco se aprofunda ou evolui neles a partir disso, e, sobretudo, como em MaXXXine, são muitas referências que não criam nada, diferente do primeiro longa, que conseguia articular bem o seu apreço por Martin Scorsese, O Rei da Comédia e todo aquele cinema setentista da Nova Hollywood à símbolos quadrinescos trabalhados com alguma dubiedade, criando um resultado novo. A grande diferença talvez seja que pelo menos aí não há uma necessidade tão grande em Phillips de exaltar suas referências, como Ti West faz como um discurso de suposta elevação de sua arte. Como em tudo no filme, Phillips está acima de tudo, desinteressado, o que é sentido nesse longa bem tedioso, que nunca emplaca, e só exibe sua plasticidade e discurso, mas pouco vai além dessa superfície. O filme acontece, mas pouco sobra para além da confirmação dessa resposta de Phillips na cena final de tribunal e na que encerra o filme, e um monte de quadros bonitos e piscadinhas de diretor com repertório e apreço pelo cinema anterior.