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|Crítica| 'Não Fale o Mal' (2024) - Dir. James Watkins

|Crítica| 'Não Fale o Mal' (2024) - Dir. James Watkins

Crítica por Victor Russo.

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'Não Fale o Mal' / Universal Pictures

 

Título Original: Speak No Evil (EUA)
Ano: 2024
Diretor: James Watkins
Elenco: James McAvoy, Mackenzie Davis, Scoot McNairy, Alix West Lefler e Dan Hough.
Duração: 110min.
Nota: 3,0/5,0
 

James Watkins parte da replicação para ir se modificando e criar um filme resposta, que ironiza o original e reforça novos valores, sem nunca abandonar o terror

Um dos filmes que virou hit na bolha dos fãs de terror, Não Fale o Mal (2022) foi lançado há apenas dois anos e rapidamente encontrou reações apaixonadas positivas e negativas. Em grande medida, isso se direciona para uma encenação que a cada ano se torna mais um fetiche meio vazio de filmes exibidos em festivais europeus, influenciada por diretores que ganharam renome há décadas, como Michael Haneke. Trata-se de um retrato distanciado do mundo, que busca a todo instante o choque por situações desconfortáveis, criando claramente uma diferenciação entre o casal protagonista e o casal vilão, dinâmica que retorna no remake, mas por uma outra ótica, reforçada sobretudo pela língua e pelas nacionalidades. No filme dinamarquês, o casal principal era dinamarquês, enquanto os que cediam a sua casa de campo holandeses, criando uma barreira linguística que permitia a ambos conversar entre si sem serem compreendidos pelo outro, e tendo a comunicação apenas em inglês, uma língua que não era materna para nenhum deles. Já no longa de 2024, essa barreira não existe, americanos e britânicos falam em inglês o tempo todo e não existe qualquer questão aí. A partir disso, o longa original se sustentava demais por ações dos personagens principais que só se faziam presente não por uma razão lógica qualquer, mas apenas para construir um final visualmente chocante e que pontuava um discurso contra essa família mais tradicional, o que até teria algum corpo se não fosse resultado de maquinações tão óbvias e até irritantes, os personagens rejeitando qualquer impulso de sobrevivência, e, consequentemente, situações que poderiam provocar alguma reação corporal no espectador são igualmente tiradas da equação, e o que resta é a apatia, o tema como maior do que o gênero a qual o filme faz parte, algo cada vez mais comum no terror, visto por muitos cineastas e espectadores como algo menor frente ao mundo, aos discursos e ao drama psicológico.

Quando Não Fale o Mal (2024) ganhou data de estreia apenas dois anos depois do original, a revolta tomou conta da cinefilia, que via precocemente aí apenas mais uma replicação, daquelas tratadas como “remake para americano que não lê legenda”, o que, mais do que apenas a barreira linguística, trata-se acima de tudo de uma busca pela hegemonia estética, tão cara a Hollywood. São, geralmente, longas não só falados em inglês, mas que mantêm praticamente a mesma história, mas por uma encenação mais palatável ao americano, sobretudo nas interpretações um pouco menos distantes ou “esquisitas” (pela ótica sedimentada do cinema americano). E, por mais que a obra de James Watkins passe longe da mera replicação, ela se coloca provocativamente nesse lugar durante grande parte da sua projeção. As férias na Itália com aquele sol siciliano, a frieza da casa rural no meio do nada, as situações desconfortáveis que partem quase sempre do marido anfitrião (James McAvoy) e até mesmo linhas de diálogo mais marcantes sendo transpostas quase literalmente, vão pontuando o filme e fazendo o espectador consciente do dinamarquês se revirar na cadeira pela quase cópia descarada. O que pode causar alguma indignação durante pelo menos uma hora do longa é chave para a construção maior de Watkins, diretor (e também único roteirista do longa) que pode não ser o mais talentoso a trabalhar o gênero ou mesmo ao compor essa narrativa visualmente, mas que sobra em astúcia ao reconhecer o filme que já existe e criar uma espécie de resposta irônica.

As primeiras pinceladas vão sendo dadas quando informações são reveladas a personagens diferentes dos do filme de 2022, e, consequentemente, fazem aquela família completamente desunida ter que trabalhar em harmonia para sair da situação de perigo, enquanto, no outro, inexplicavelmente e apenas para reforçar o tema, o marido guardava qualquer informação relevante para si e deixava a esposa e a filha às escuras. A partir desse reconhecimento, o longa se modifica, nega o choque aguardado, sabendo justamente que o espectador consciente da outra obra vai esperar de forma sádica justamente pela língua sendo cortada. Esse público vira uma marionete na mão de Watkins, que vai tomando decisões diferentes, transformando o filme em uma espécie de resistência contra a invasão domiciliar, ainda que essa casa seja apropriada neste momento e ironicamente pelo casal forasteiro. Ainda que se colocando em um lugar mais genérico desse filme de sobrevivência, tudo é ressignificado quando a esposa briga com o marido e o força a ajudar, é como se o próprio cineasta tirasse sarro do insuportável estado catatônico que os personagens entram no longa dinamarquês, como se ele fizesse parte do público que se indignou com aquela resolução e decidisse a partir de então criar uma resposta imediata, fazendo desses recursos narrativamente mais batidos uma forma de transportar o espectador corporalmente para junto daqueles personagens e não apenas os ver distanciadamente e com indignação. A cada nova ação e entrega do corpo para a sobrevivência da família, Watkins leva, de forma muito mais natural, o remake para um discurso contrário, da união familiar, dessas peças desconexas se unido pelo instinto de sobrevivência, o que pode soar como um discurso americano meio conservador e irritante até, mas que encontra uma resolução muito mais interessante a partir da perspectiva do gênero. 

Ao final, Watkins se entrega ao banal e, ao fazê-lo, ainda que de forma meio desajeitada e mercadológica, rejeita essa tendência do terror anti-terror, muito presente no filme dinamarquês. A encenação, que sai da frieza para mergulhar na violência, correia e escuridão serve como esse chega para lá no longa de 2022, criando um remake que é muito mais uma resposta entusiasmada e defensora do gênero do que apenas uma replicação qualquer.

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