|Crítica| 'Silvio' (2024) - Dir. Marcelo Antunez
Crítica por Victor Russo.
'Silvio' / Imagem Filmes
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Silvio tenta disfarçar ao focar no sequestro, mas em nada muda a estrutura convencional de cinebiografia de homenagem, sem qualquer preocupação cinematográfica e uma infinidade de discursos motivacionais e reacionários
Desde o lançamento do primeiro trailer, o novo longa de Marcelo Antunez já era meme nas redes sociais, com destaque especial para a escolha de Rodrigo Faro como Silvio Santos. Entretanto, se muito se falou sobre o visual (que realmente é feito de qualquer jeito) ou a falta de semelhança física entre os apresentadores, isso passa longe de ser o problema principal nessa escolha de casting. Parece um filme todo feito sem nenhuma preparação, sem planejamento, uma colcha de retalhos colada de qualquer jeito para se vender apenas pelo nome extremamente popular de Silvio Santos. Nesse sentido, Faro claramente sofre na mão da direção de Antunez, mas também não há um trabalho mínimo do ator em criar um personagem coerente. Para além do texto não intencionalmente cômico, da fotografia pobre e da montagem atroz, o apresentador/ator se resume a tentar imitar o fundador do SBT, soando quase como uma sátira qualquer da personalidade com a voz mais copiada do Brasil, mas nem isso consegue fazer direito, já que, qualquer momento um pouquinho menos calculado, automaticamente todo esse trabalho de imitação some para surgir o próprio Faro no lugar.
Entretanto, colocar todo o peso nas costas dessa celebridade, escalada claramente apenas para promover o filme, seria uma tremenda injustiça. Isso porque, é um daqueles casos de filmes que conseguem fazer uma sucessão de escolhas inexplicáveis, como se Antunez, diretor experiente de uma série de filmes ruins (com destaque para o propagandístico Policial Federal - A Lei é Para Todos), não tivesse uma noção mínima de linguagem audiovisual. Se por um lado não há nenhuma vergonha em transformar tudo em uma caricatura super forçada, por outro, o filme se leva muito a sério, realmente acredita que está atingindo um lugar único de profundidade dramática e pensamento filosófico e sociológico. Claro que não está. Só que, antes mesmo de pensar em todas as escolhas de abordagem e os caminhos do roteiro, o que grita é justamente essa encenação que tenta emular a cinebiografia hollywoodiana, ao mesmo tempo em que acredita estar sendo transgressiva ao romper os espaços dramáticos e se aprofundar na mente dos personagens. Mais uma vez, não está. É uma série de escolhas que nem um estudante no primeiro semestre de qualquer faculdade de cinema faria, com destaque para os flashbacks como memórias amareladas, cheios de jump cuts e efeitos sonoros para marcar esses cortes, sem qualquer sentido ou efeito. Como tudo no filme, são colocados ali… porque sim.
Só que, claro, qualquer dissociação entre estilo e conteúdo é um tanto ingênuo e todas essas escolhas estilísticas partem dessa proposta maior do longa que está em seu discurso, em uma espécie de discurso liberal de coach, aquela simplificação da sociedade em prol de um mundo cor de rosas em que basta você se esforçar para chegar no posto que deseja. Ao mesmo tempo, Silvio Santos é retratado como o típico protagonista de cinebiografia de homenagem, um ser ilibado, que até quando age por ganância ou egoísmo, reconhece o erro e sente aquela dor para sempre. É sempre justo, pensa nos mais pobres e não quer qualquer tipo de violência, justamente como o apresentador/personagem que se apresentou por décadas na TV, sem qualquer questionamento moral sobre ele dar migalhas para os mais pobres e lucrar em cima com o entretenimento explorando a imagem dessas pessoas, ou mesmo os diversos apoios que deu à ditadura militar ou a figuras quase tão questionáveis quanto.
Ainda assim, se o longa se concentrasse nesses discursos motivacionais e no sequestro, que se vende como o foco, teria alguma chance de funcionar melhor. O problema é que o sequestro é apenas uma das intenções dele, é um filme extremamente perdido em sua abordagem, esse enfoque definido se perde não só nos flashbacks, nessa ânsia de usar tudo como desculpa para cair na mesma estrutura de sempre, de percorrer a vida do protagonista, ressaltando momentos chaves e populares dela, como uma página de Wikipedia, mas também no próprio não estabelecimento de um ponto de vista naquele momento presente. É uma narrativa dispersa que quer passar por pelo menos 20 personagens insignificantes, em pelo menos uns 5 núcleos, sendo que a maioria é abandonado do nada, como os jornalistas que aparecem no começo. É o policial querendo vingança, a delegada tirada do caso, o gabinete do governador, a secretária do governador com um passado relacionado ao apresentador, a filha que rejeitava o pai, os membros da polícia militar, as outras filhas e a esposa do protagonista, além dos flashbacks que vão passar pelos pais de Silvio, pelo delegado que acreditou nele (um dos muitos momentos que o filme faz questão de exaltar a polícia), pelo seu mentor, sua primeira esposa, os executivos da TV Globo etc. É tanta coisa que aparece e some, apenas com a finalidade de preencher um check list, que, no meio de tudo isso, Antunez parece esquecer que está fazendo um filme.