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|Crítica| 'Baile das Loucas' (2024) - Dir. Arnaud des Pallières

|Crítica| 'Baile das Loucas' (2024) - Dir. Arnaud des Pallières

Crítica por Raissa Ferreira.

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'Baile das Loucas' / Imovision

 

Título Original: Captives (França)
Ano: 2024
Diretor: Arnaud des Pallières
Elenco: Mélanie Thierry, Carole Bouquet, Marina Foïs, Josiane Balasko e Lucie Zhang.
Duração: 122 min.
Nota: 2,5/5,0

 

Fechando sua história em um mundo pequeno e insalubre, Arnaud des Pallières faz das mulheres vítimas e algozes, ignorando o cenário externo

Em uma França do século XIX, bem após a revolução, o recorte escolhido pelo diretor Arnaud des Pallières é como a abertura de uma fresta de observação que começa com a chegada de Fanni (Mélanie Thierry) a uma espécie de prisão e hospital psiquiátrico e se fecha novamente assim que ela está fora desse lugar. Enquanto sua chegada é filmada, a câmera se aproxima muito de seu rosto, removendo qualquer espaço ao seu redor, só o que interessa a Baile das Loucas é o cenário sujo e insalubre de dentro, assim, é como se o mundo não existisse além de suas grades. A coloração um tanto esquisita do longa opta por saturar os tons verdes e amarelos, deixando a encenação pouco agradável mas também ressaltando a sujeira do lugar, deixando as peles amareladas, como se todas fossem doentes e destacando os olhos muito azuis de Fanni. É intenção clara que a protagonista se destaque das demais mulheres ali, suas roupas são mais sofisticadas, cheias de camadas bem alinhadas, seus cabelos são saudáveis e bem penteados, seu rosto é mais bonito e seu semblante é calmo. A mulher que abre a visão desse pequeno mundo não é igual às outras encarceradas, não pertence a esse lugar, mas o longa reserva algum mistério que faz sua jornada andar na corda bamba entre o que ela diz ser a verdade e a loucura que consome tantas ao redor. Porém, a realidade pertence somente ao lado de fora, e como este nunca nos é mostrado, permanecemos nesse universo em que nada tem resposta certa. 

Aqui e ali Arnaud des Pallières faz-se compreender em uma espécie de manifestação contra esse sistema que retrata. Mulheres são aprisionadas pelos motivos mais estranhos, torturadas e violentadas, removidas do convívio em sociedade e com suas famílias para permanecerem nesse buraco isolado, sem chance de sair ou falar com alguém de fora. Porém, curiosamente, o diretor escolhe que as figuras femininas não sejam apenas vítimas fora do padrão, com deficiências, rostos e corpos mal cuidados, como também as coloca como algozes. Por quase toda duração do filme não vemos sequer um homem, são as chefes, ajudantes, enfermeiras e médicas que machucam, oprimem, restringem e até garantem que essas mulheres serão violentadas e ainda assim, encontram alguma redenção no atestado de que possivelmente todas sejam vítimas de um mesmo sistema. O baile, uma espécie de vitrine para homens poderosos passarem uma noite com essas pacientes em roupas mais elegantes e com suas aparências melhor tratadas, é o único momento em que eles dão as caras e não se mostram nada além do esperado. Não há peso de responsabilidade sobre eles, mas ainda há tempo suficiente para retratar mais um sofrimento, mais uma violência que Fanni passa com um deles. Ainda que sejam as mulheres aprisionadas que se unam em um gesto de “sororidade” para libertar a novata que não pertence ao local, esse aceno mais parece um esforço superficial do filme do que algo que foi construído naturalmente durante toda a narrativa.

Sempre há esse mistério se Fanni realmente entrou ali porque quis e se aquela senhora realmente poderia ser sua mãe, algo que é reforçado pela falta de contextualização intencional do que vem antes e pela insalubridade geral do local e das mentes deterioradas que vivem ali. Como tudo que conhecemos é essa protagonista ali dentro e demora até que ela diga quem é e o que está fazendo nesse hospital, cria-se um suspense acerca de sua personalidade e reais motivações, mas sua verdade é facilmente comprada por todas ao seu redor, o que não é o melhor dos atestados. Dessa forma, é como se Baile das Loucas fosse construindo um clima da reviravolta constante, preparando terreno para desvendar Fanni e, assim, usando toda tortura e dor das mulheres que dividem essa prisão com ela, como desculpa para sua própria jornada. Arnaud des Pallières prefere permanecer no suspense e mesmo assim, o caminho traçado é mais complicado do que benevolente. Sua protagonista existir como esse ponto indecifrável é a abertura de uma observação esteticamente pouco interessante - para não dizer desconfortável, com suas cores e zoom de péssimo gosto -, e dedicada ao sofrimento das mulheres acima de qualquer ideia de libertação. 

Para Fanni o caminho é encontrar a saída, com seus belos olhos azuis e toda cara de quem nunca deveria estar internada em um ambiente tão sujo, para as outras, o inferno continua, de vítimas e algozes, nenhuma escapará. Talvez, dentro da lógica que esse filme estabelece, a deterioração dos corpos, ou seja, do que é visível, seja mais castigo às mulheres do que o agravamento das mentes. 

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