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|Crítica| 'O Último Pub' (2024) - Dir. Ken Loach

|Crítica| 'O Último Pub' (2024) - Dir. Ken Loach

Crítica por Raissa Ferreira.

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'O Último Pub' / Synapse Distribution

 

Título Original: The Old Oak (UK)
Ano: 2024
Diretor: Ken Loach
Elenco: Dave Turner, Ebla Mari, Claire Rodgerson e Trevor Fox.
Duração: 113 min.
Nota: 3,0/5,0
 

Em busca da reconstrução do senso de comunidade, Ken Loach soa didático ao explorar as dores dos outros, mas sua costumeira humanidade ainda traz um otimismo reconfortante

Observar a classe trabalhadora e as mudanças da sociedade que afetam essas pessoas sempre foi parte fundamental do cinema de Ken Loach, e no que pode ser sua despedida não seria diferente. De alguma forma, o diretor britânico olha para o passado, em uma questão que foi tão cara a hollywood em sua mais famosa premiação, mas deixou de ganhar destaque ao longo dos anos para novos conflitos. Ao mesmo tempo em que a pequena comunidade inglesa vai se tornando um fantasma largado para desaparecer, a guerra na Síria leva novas famílias para ocuparem o espaço, então, esse longa que começa pelo ponto de vista da câmera estrangeira observando essa nova comunidade que precisa recomeçar sua vida, vai fundindo as questões locais e externas para que se somem em um único sentido de coletivo. Loach rejeita a violência tanto quanto os confrontos, deixando tudo muito em um discurso mais superficial e didático, seja o preconceito e a xenofobia dos antigos moradores ou os relatos da guerra que levou tantos a serem refugiados ali, nada é explorado em sua maior potência e por essa abordagem, beira uma manipulação com o espectador que se coloca a ouvir relatos quase lidos de um depoimento real, se adequando pouco à naturalidade que a trama pede ao colocar humanos de forma tão próxima e honesta. Existe uma gangorra que fica pendendo de um lado para o outro enquanto O Último Pub vai de um otimismo que conforta pela humanidade dos personagens, a esse simplismo raso de atestar as coisas sem explorar o que realmente significam. A força do filme mora justamente na reconstrução da comunidade, o que só é possível pela união das pessoas e, nessa estrutura, há muito mais da beleza do legado do diretor, do que nas outras tentativas que ficam enfraquecidas pelo meio.

O tom de despedida que temos visto tanto no cinema nos últimos anos, de cineastas mais velhos que atestam realmente o fim de suas carreiras, como Loach fez em Cannes, ou que apenas acenam a isso e não sabemos o que esperar, como outros, é notado em O Último Pub junto de uma total falta de ambição do diretor. O Old Oak, um lugar antigo e cheio de frequentadores velhos presos a tradições, é preenchido por novas pessoas de costumes muito diferentes dos vistos nas décadas de existência do bar. Não é puramente o choque da relação entre gerações representada por Yara (Ebla Mari) e TJ (Dave Turner), mas a ideia de um novo ponto de vista ainda mais forte, de novas línguas, valores e tradições. De certa forma é como se Loach colocasse que a velha inglaterra está fadada a desaparecer, abandonada pelo país e reclusa em seus próprios preconceitos, caso não aceite abraçar o que vem de novo e de fora. Mas tudo isso não vem com grandes feitos em sua abordagem narrativa para realmente explorar a complexidade que carrega, o cineasta britânico pretende dizer adeus ao cinema e deixar que seu espaço seja preenchido por novas vozes sem dizer nada muito contundente, mas permitindo uma mensagem otimista que compreende as problemáticas do mundo sem entrar em conflito com elas, apenas esperando que a humanidade veja a resposta nela mesma e se resolva na união dos oprimidos. 

Mesmo que os relatos de guerra pareçam verdadeiros, são colocados de forma tão explicativa que perdem muito da potência que poderiam carregar, mas talvez Loach não queira realmente manipular com o sofrimento, apenas informar didaticamente o que acontece, não é sua intenção ser marcante aqui, nem explorar a violência de fato além das palavras ou usar a imagem para extrair a complexidade de seus personagens, parece que ao fim tudo que importa a ele é trazer um sentimento de conforto mais simples por como os grupos diferentes se aproximam para levantarem o vilarejo, alimentarem as crianças e trazer alguma vida a um lugar cheio de fantasmas. A humanidade que atravessa essas relações é, portanto, o abraço que Loach deixa em sua obra final, das famílias que se ajudam nos momentos dolorosos, das culturas se entrelaçando como a tapeçaria, das mesas cheias de comida enquanto histórias são trocadas em diferentes idiomas. O sentimentalismo de O Último Pub consegue fortalecer um pouco seus pontos mais fracos, pois é por ele que funciona a visão do cineasta para a classe trabalhadora, para a sociedade e as mudanças que aproximam grupos oprimidos. 

No ano passado, Nanni Moretti parecia dizer que sua única solução para o mundo, e para o cinema, é fugir da realidade e viver sua própria fantasia comunista dentro de seus filmes. Nesse mesmo período, Ken Loach deixa a receita da reconstrução da comunidade pelas pessoas, sem grandes gestos e imaginação, apenas acreditando puramente nesse sentimentalismo simples que emociona e não encontra verdadeiramente os conflitos que parecem existir, mas não serão lidados, ao menos não aqui.  

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