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|Crítica| 'Mais Pesado É o Céu' (2024) - Dir. Petrus Cariry

|Crítica| 'Mais Pesado É o Céu' (2024) - Dir. Petrus Cariry

Crítica por Victor Russo.

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'Mais Pesado É o Céu' / Sereia Filmes

 

Título Original: Mais Pesado É o Céu (Brasil)
Ano: 2024
Diretor: Petrus Cariry
Elenco: Matheus Nachtergaele, Ana Luiza Rios, SIlvia Buarque, Danny Barbosa e Buda Lira.
Duração: 98 min.
Nota: 3,5/5,0

 

Petrus Cariry olha para o apagamento do passado, o futuro como uma estrada de dor e desesperança sem fim, enquanto o belo céu azul oprime os que sofrem abaixo dele

"Mais Pesado é o Céu” se inicia criando uma rima visual entre Antônio (Matheus Nachtergaele) e Tereza (Ana Luiza Rios). Ambos na estrada, pedindo favor para caminhoneiros em troca de uma carona para uma cidade que já nem existe mais. A represa que afundou o lugar vem como esse rio que esconde o passado e deixa crianças órfãs pelo caminho. Tendo de onde vieram caindo no esquecimento, resta aos dois se unirem na dor e criarem o bebê encontrado às margens do deslembrado frente a essa estrada da vida que se apresenta diante deles como um caminho de sofrimento sem fim. 

O mais curioso é como, apesar de ser mais um filme que revela as dificuldades do sertão como esse lugar sem água, comida, trabalho e com muito pouco carinho por aqueles que endureceram com a vida local, Petrus rejeita essa tendência que não só domina os filmes mais realistas brasileiros, mas do cinema mundial, atingindo até os grandes blockbusters hollywoodianos, de retirar a cor da imagem a fim de representar uma suposta noção do verdadeiro. O cineasta vai em um caminho oposto, as cores são vivas e belas aqui, até mais do que na vida real, quase em uma versão contemporânea do technicolor da Hollywood dos anos 1950. Isso tudo sem rejeitar completamente a ideia de uma luz natural ou do contra-luz em ambientes escuros com falta de energia elétrica, muito comuns nessa vertente do cinema a fim de representar a pobreza de um local específico. 

O azul e o laranja ganham destaque, como essa combinação do céu e do sol que só terão algum espelhamento em terra nas roupas e utensílios do bebê, o sinônimo de esperança para com o futuro, ainda que designado a fracassar como aqueles que cuidam dele. O destaque para o céu, que aparece no título do longa também, serve como uma opressão bela a esses personagens que estão lá embaixo, em uma espécie de purgatório que é a vida. Viver é a maior dificuldade, olhar para cima e ver aquela lindeza olhando de volta sem nunca ser tocada dá essa sensação de uma felicidade distante e impossível. Os personagens entendem essa posição, o peso de simplesmente continuar respirando, falam sobre acabar com a própria vida, mas nunca conseguem acabar com o sofrimento, sempre seguem em frente, independente do quão absurdo ou romantizado seja o próximo sonho nessa estrada sem fim, mais um elemento filmado com destaque no longa, de onde vem as maiores angústias para um mísero respiro diário.

Nesse sentido, é justamente desses carros e caminhões que chega o elemento mais frontal de desprazer, talvez os momentos em que, pela repetição do visual, Petrus perca a mão e transforme a dureza e o peso de viver em uma espécie de tortura pura e simples para os personagens e, principalmente, para o espectador. Ver Nachtergaele com uma criança no colo e esturricando no sol enquanto pede esmola sem receber nada em troca ou escutar os gritos de Rios ao fundo no carro fechado, assim como o bebê que passa fome, a casa suja e todos os elementos restantes no longa já eram desoladores o suficiente. Inclusive, no próprio momento de virada, na última cena do longa, a angústia funciona bem melhor quando percebemos aquilo pelo ponto de vista de Antônio, que faz de tudo para rejeitar o olhar e tentar ignorar o impossível de ser ignorável, do que quando Petrus não resiste mostrar mais uma vez o estupro acontecendo. Mais problemático ainda é perceber como vemos o ato criminoso, mas nos é tirado de vista a reação libertadora de Tereza. É como se nesse purgatório sem fim, só fosse reservado a nós a dor, nunca o mínimo pingo de alívio. Até funciona no discurso temático do longa, nem tanto em como o cineasta evidencia isso em três cenas específicas. Para um diretor que domina tão bem esse difícil cinema de martírio, é uma pena que ele deslize para o filme de choque fácil que se faz tão presente no século XXI.

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