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|Crítica| 'Greice' (2024) - Dir. Leonardo Mouramateus

|Crítica| 'Greice' (2024) - Dir. Leonardo Mouramateus

Crítica por Victor Russo.

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'Greice' / Vitrine Filmes

 

Título Original: Greice (Brasil)
Ano: 2024
Diretor: Leonardo Mouramateus
Elenco: Amandyra, Mauro Soares, Luara Learth, Isabél Zuaa e Dipas.
Duração: 110 min.
Nota: 4,0/5,0

 

Comédia Screwball à brasileira de Leonardo Mouramateus preserva o mistério pelas histórias e sua contadora

As muitas referências e familiaridades de Greice nunca fazem da obra maior do que o nome que ela tem: o de sua protagonista (Amandyra). Perambulando por elipses temporais e espaços portugueses anteriores à própria colonização das Américas, acompanhamos livres essa personagem e suas façanhas no país europeu, mas sem nunca rejeitar sua identidade brasileira. Não há uma tentativa de falar ou ser como os que ali vivem, e, mesmo, quando tem alguém que admira, como Cléa (Isabél Zuaa), isso não a modifica nem a controla, pelo contrário, a aproximação, por coincidência ou manipulação, parte da própria Greice, que nunca se sente intimidada frente à estrela. Cléa, Lis (luara Learth), Afonso (Mauro Soares), as pessoas passam pela vida da personagem, enquanto essa caminha rumo a um desconhecido, aproveitando-se de cada oportunidade ou se desdobrando para fugir dos enroscos, o fluxo parece sempre contínuo, a ponto do passado que a assombra como uma determinação do futuro incerto, em nada tirar o seu sorriso no rosto para a próxima ação improvisada.

Antiheroína de moral questionável como os protagonistas da Nova Hollywood, como o estereótipo do malandro brasileiro, ou uma homenagem às comédias screwball americanas, que teve Katherine Hepburn como o grande nome para essas personagens livres, que se permitiam dar um pé na bunda dos costumes e levavam seus pares masculinos a uma série de situações fora de controle, ao mesmo tempo que nada disso ou tudo isso. Como a faculdade que cede espaço a grande parte das ações em Portugal é a mesma que o cineasta estudou e ainda estuda, as referências estão postas, assim como piscadinhas, mas tudo é redesenhado a partir dessa protagonista. Amandyra não é Hepburn, nem exatamente uma vigarista, ainda que possa ser. A faculdade cede à imagem seus quadros, salas e arquitetura antiga, só que não é mais o mesmo lugar com aquele nome. Ao colocar tudo sob o ponto de vista de Greice e, mais do que isso, moldar o desenvolvimento narrativo a partir do que ela deseja revelar, tudo é redefinido para um charme sem resposta. O que vemos da faculdade é o que a câmera decide enquadrar, muito pouco, já que os olhares sempre se voltam para a personagem. O mesmo vale para todos os demais personagens e espaços que passam por sua jornada. Até o tempo é refém dela, já que saltos temporais suprimem eventos reveladores, enquanto o mistério sobre aquela noite permanece.

Então, por mais que obtemos a resposta em algum momento sobre o que aconteceu e quais desdobramentos seguirão disso, inclusive com uma sugestão de futuro para a personagem, nunca sabemos além do fato. São as intenções que Mouramateus e Amandyra preservam a sete chaves, o mistério, ao final, se revelar não ser saber se Greice fez ou não aquilo, mas quem é a personagem. Essa peça que falta do quebra-cabeça faz do nosso voyeurismo um jogo por respostas, não conseguimos desgrudar os olhos dessa personagem, queremos entender o seu passado, saber qual vai ser o seu próximo passo. Tornamo-nos ativos sem perceber, é a nós, acima de tudo, que Greice manipula. Não percebemos que a resposta não está no que existe materialmente, nos eventos, somos tocados pelo charme da personagem assim como todos que passam por sua vida. Mas a pergunta permanece: quem é Greice? Mouramateus nos convida, dessa forma, a perceber os detalhes, o afeto para com a irmã, o medo de ser descoberta pela mãe, o envolvimento para além do esperado com Henrique (Lucas Galvino). Se até com a melhor amiga, na primeira cena, a protagonista parece buscar algum tipo de benefício ao qual consiga se reinventar, assim como na relação com a prima ou com Afonso, nas pequenas interações com os mais próximos, a personagem revela alguma vulnerabilidade para que especulemos, mesmo sem nunca obter reais respostas, até porque, talvez muitas delas nem existam. Assim, o longa nos envolve com a sua contação de história, ou melhor, com a sua contadora de histórias, fazendo do mistério e não das respostas o charme que levamos para depois do momento que as luzes do cinema se acenderem. As perguntas sobre as intenções de Greice continuam, mas não mais nos importamos, ela nos manipula e nós seguimos especulando.

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