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|Crítica| 'Twisters' (2024) - Dir. Lee Isaac Chung

|Crítica| 'Twisters' (2024) - Dir. Lee Isaac Chung

Crítica por Victor Russo.

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'Twisters'/ Warner Bros.

 

Título Original: Twisters (EUA)
Ano: 2024
Diretor: Lee Isaac Chung
Elenco: Glen Powell, Daisy Edgar-Jones, Anthony Ramos, Brandon Perea, Maura Tierney e David Corenswet.
Duração: 122 min.
Nota: 2,5/5,0
 

 

Lee Isaac Chung substitui a paixão pela adrenalina por uma necessidade de ser ilibado e salvar o mundo (no caso, os Estados Unidos)

Ao abrir o filme com um prólogo empolgante que mais parece uma versão genérica do mesmo grupo e sentimento do filme de 1996, incluindo a Dorothy como easter egg, e, ao final, retirar quase todos aqueles personagens da equação para construir, supostamente, algo novo a partir de então, Lee Isaac Chung parece dizer que essa não será apenas mais uma sequência tardia para replicar o original sob uma perspectiva meramente nostálgica e mercadológica. Entretanto, esse discurso bonito e anticapitalista em nada se materializa na prática, já que Twisters segue o modelo típico dessas retomadas de franquia, a repermutação sob uma perspectiva mais limpa e ilibada do blockbuster contemporâneo. É o mesmo filme, mas retirando qualquer sensação física e a substituindo por um discurso supostamente mais complexo e dramaticamente profundo.

Assim, continuamos tendo a personagem central que persegue os tornados a fim de estudá-los e encontrar cientificamente uma resposta que ajude as pessoas, movida por uma perda. Só que Kate (Daisy Edgard-Jones) não é só Jo (Helen Hunt), ela é também Bill (Bill Paxton), ao ir trabalhar como metereologista em um lugar monótono antes de ser puxada de volta para o olho do furacão. O que poderia ser uma emancipação do filme atual é, na verdade, uma forma de resolver um “problema”, o do romance com libido. Ao transformar os dois em uma, o longa não precisa lidar com esse “peso” do desejo humano, pode seguir como um bom filme de Twitter focando em seus temas e traumas, já que, assim, pode ganhar um status de mais complexo do que o original, mantendo sua protagonista no posto de mulher autossuficiente e empoderada, mesmo que a personagem e o filme pareçam clamar a todo instante pelo oposto, sobretudo após a inserção de Tyler (Glen Powell) na trama. 

Sejamos sinceros, a graça de um blockbuster de aventura sobre pessoas perseguindo furacões está na adrenalina do ato, não no trauma ou na ciência. Jan De Bont entendia isso em 1996 e conseguia materializar o sentimento em tela. Chung também entende, mas há uma falta coragem para ir além das imposições de algoritmo que um filme contemporâneo de alto orçamento deve ter. Assim, Jo, Bill e seu grupo queriam colocar Dorothy para voar, e, assim, conseguir estudar os furacões que devastavam cidades e quase tiravam suas vidas constantemente, mas isso era mais um McGuffin do que o real sentimento dos personagens. Claramente eles faziam isso por prazer, por uma relação intoxicante com a adrenalina e o perigo, que era transportada para nós enquanto espectadores. Eram pessoas arriscando suas vidas porque era isso que as mantinham vivas. Melissa (Jami Gertz) percebe isso ao deixar Bill sem nenhum ressentimento ou remorso, ela sabia que jamais faria parte daquilo e muito menos conseguiria competir com o que essas perseguições estimulam no corpo do personagem. Se havia um romance com tesão crescente entre Jo e Bill, isso era uma espécie de extensão dessa mesma paixão, eles se transformavam em um quando em ação e não por conveniência de um cinema de tema/algoritmo.

Chung parece entender o que fez de Twister um marco do blockbuster de catástrofe, Tyler e seu bando de malucos são as maiores representações disso. O que inicialmente parecia uma vilanização, ao colocar esses personagens como agentes das redes sociais e propagadores de um entretenimento questionável, aos poucos vai ganhando um corpo a ponto de fugir do clichê do “youtuber fútil” e ter na única sequência realmente empolgante do longa a união de Tyler e Kate no olho de um furacão menos para fazer ciência e salvar o mundo, mais para compartilhar aquela sensação única que move os personagens.

O problema é que esse é um dos momentos raros do longa, o avanço da narrativa vai cada vez mais buscar o meio termo calculado de sempre. A boa e velha conciliação capitalista (lembra do final de Barbie ou de Pantera Negra?). Tyler vai ficando cada vez mais igual a Kate, enquanto a personagem em si pouco muda. Ela rejeita os cientistas estereotipados e manipulados pelo vilãozão, mas nunca realmente tinha sido parte de corpo e alma daquilo. Ela também pouco vai em direção ao grupo de Tyler em corpo e espírito. É por todo o longa a protagonista moralmente perfeita (pelo menos na visão do filme, que glorifica um rodeio e o maltrato de animais como o verdadeiro estilo de vida americano). Ao mesmo tempo, Tyler se afasta do seu grupo, não em proximidade emocional, mas por uma força do roteiro que vai apagando esses personagens secundários. No cinema de algoritmo não importa a emoção e nem os coadjuvantes impulsivos e meio canastrões. Chung mantém assim a dinâmica do garoto e da garota resolvendo tudo, mas não há mais qualquer sentimento nesse ato. Eles são apenas dois seres 100% honrados salvando o mundo, ou melhor, os Estados Unidos (até porque existe mundo para além do país? Não na visão americana). A ciência, o trauma e a moral prevalecem. A adrenalina, a paixão e o ser humano verdadeiro se perdem gradualmente no processo.

O mais curioso é que Chung parece em algum lugar escondido querer fazer cinema de autor, seja ao filmar em película ou ao inserir alguns momentos como a tela do cinema sendo rompida para dar lugar à realidade e ao perigo por trás dela. Só que nada disso vai além de pequenas pinceladas em um filme com cara de estúdio em 2024, ou seja, obra de algoritmo. Se toda a construção dramática metida a complexa não podia ser mais vazia, o cineasta pelo menos coloca o seu dedo em como filma os close-ups hipermelodramáticos. Se a película tem pouca influência na estética do longa, que é mais um a soar ter sido visualmente pré-concebido digitalmente antes das filmagens, o diretor no mínimo decupa essas cenas a fim de buscar alguns detalhes mais emocionantes, como o carro perdendo contato com o solo ou as cadeiras do cinema, que os personagens se seguram como última opção desesperada para salvar suas vidas, se rompendo. É muito pouco, a cartilha do algoritmo sempre prevalece realmente, seja nas cenas genéricas de devastação com cara de imagem fabricada por inteligência artificial ou no ápice que o “modelo Twitter” pode influenciar um filme, quando, após uma construção longa de aproximação romântica dos personagens, a cena final corta antes que eles se beijem, como se essa mulher se entregar ao amor e ao desejo a tornasse menor, um daqueles clichês do feminismo liberal que não percebem servir mais ao capitalismo e à rejeição do prazer corporal, do que a qualquer realidade progressista. Mais uma vez, a emoção não existe, mais vale o racional do que o sensorial para o ser humano solitário contemporâneo, e Hollywood, como a grande fomentadora de ideologia liberal que é, tem papel importante em estimular a supressão do sentir em prol de personagens cada vez mais “sem genitália”, como diria acertadamente Richard Linklater.

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