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|Mostras| Cinemateca Brasileira apresenta em julho a mostra 'Coreia do Sul, anos 50: clássicos restaurados'

|Mostras| Cinemateca Brasileira apresenta em julho a mostra 'Coreia do Sul, anos 50: clássicos restaurados'

Os sete títulos selecionados para o evento foram realizados na década de 1950 e restaurados pelo Korean Film Archive (KOFA).

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'Madame Liberdade', de Han Hyeong-mo

 

A Cinemateca Brasileira apresenta, entre os dias 4 a 7 de julho, a mostra Coreia do Sul, anos 50: clássicos restaurados, em parceria com o Korean Film Archive (KOFA). Os sete títulos selecionados foram realizados no país na década de 1950 e celebram os 50 anos dos trabalhos de preservação e restauração do KOFA.

Produzidos à sombra da Guerra da Coreia (1950-1953), resultado da divisão da península coreana em dois países no contexto da Guerra Fria, muitos dos filmes refletem a dura realidade do conflito armado. Exemplos mais explícitos são Rio Nakdong (Jeon Chang-keun, 1952), um dos 14 filmes produzidos durante a Guerra, de caráter patriótico, e Piagol (Lee Kang-cheon, 1955), sobre um grupo de guerrilheiros norte-coreanos escondidos nas montanhas do Sul. O filme chegou a ser banido pelo governo sul-coreano devido à representação humanizada dos comunistas. 

A difícil reconstrução do país aparece em títulos influenciados pelo neorrealismo italiano como Dinheiro (Kim So-dong, 1958), que aborda a vida de trabalhadores rurais miseráveis, e A flor no inferno (Shin Sang-ok, 1958), sobre a criminalidade em Seul e a prostituição das mulheres na cidade ocupada por soldados americanos. Essa ocupação e o fluxo de cultura americana que entrava na Coreia do Sul é tema também de Madame Liberdade (Han Hyeong-mo, 1956), em qual as personagens femininas incorporam a “modernização ocidental” em detrimento de valores tradicionais. O filme gerou uma série de polêmicas, acusado de ser imoral pela imprensa, mas foi um enorme sucesso de bilheteria.

A situação das mulheres no pós-guerra é também destaque em A viúva (Park Nam-ok, 1955), o primeiro longa-metragem dirigido por uma diretora sul-coreana. O melodrama coloca em xeque diversas questões como o casamento e a maternidade, a partir de uma protagonista complexa e ambígua. O filme ficou esquecido por décadas até ser reencontrado no final dos 1990, infelizmente incompleto.

Finaliza a mostra O dia do casamento (Lee Byeong-il, 1956), uma sátira de época que ironiza o casamento e as altas classes, ao mesmo tempo que revela os valores morais da cultura coreana. É lembrado hoje por ter sido o primeiro filme do país a ser reconhecido internacionalmente no Asia Pacific Film Festival, o mais importante festival asiático da época. 

A curadoria oferece ao público não apenas filmes emblemáticos de uma década em que o cinema sul-coreano se fortalecia e entrava em sua Era de Ouro (1955-1972), como também o trabalho de preservação e restauração realizado pelo Korean Film Archive desde 1974.

A programação é gratuita e os ingressos são distribuídos uma hora antes de cada sessão.

PROGRAMAÇÃO COMPLETA:

Quinta-feira, 4 de julho
20h | Sala Grande Otelo
O DIA DO CASAMENTO
Título original: ???? ? Shijibganeun nal
Direção: Lee Byeong-il
Ano: 1956
Cromia: P&B
Duração: 80 min
Formato original: 35mm
Formato de exibição: Digital (restaurado)
País: Coreia do Sul
Classificação indicativa: 12 anos
Sinopse: Mestre Maeng está entusiasmado que sua filha, Sip-bun, em breve se casará com uma família influente. Pouco antes do casamento, ele ouve um boato de que o noivo tem uma deficiência física. Relutante com essas condições, ele decide casar sua empregada, Ip-bun, como se fosse sua filha. No entanto, quando o noivo chega ao casamento, ele se revela muito diferente do que Maeng havia pensado.
Comentários: Primeira das três adaptações cinematográficas da popular peça Maeng-jinsa daek Gyeongsa (1947), de Oh Yeong-jin, O dia do casamento é uma sátira sobre a instituição do casamento e os costumes ultrapassados das altas classes.
O filme recebeu em 1956 o Prêmio Especial de Melhor Comédia no Asia Pacific Film Festival, o mais prestigiado do continente à época. Naquele ano, a Coreia do Sul ainda era apenas um país convidado do festival, tendo se registrado oficialmente no ano seguinte, por consequência da repercussão do filme. O longa também foi exibido no Festival Internacional de Cinema de Berlim em 1957.
Esse reconhecimento internacional despertou um otimismo na indústria cinematográfica do país, em um momento em que a Coreia do Sul ainda tentava se reconstruir após a Guerra. Por outro lado, criou-se um certo entendimento de que, para seguir sendo reconhecido, o cinema teria que exportar uma certa ideia exótica do que seria a cultura coreana. De qualquer forma, o interesse internacional pelo cinema sul-coreano teria um crescimento avassalador décadas depois.
 

Sexta-feira, 5 de julho
19h | Sala Grande Otelo
RIO NAKDONG
Título original: ??? Nakdonggang
Direção: Jeon Chang-keun
Ano: 1952
Cromia: P&B
Duração: 46 min
Formato original: 16mm
Formato de exibição: Digital (restaurado)
País: Coreia do Sul
Elenco: Byeon Ki-jong, Choe Ji-ae, Jo Yong-ja, Lee Tak-kyun
Classificação indicativa: 12 anos
Sinopse: Após se formar, Il-ryeong retorna para sua cidade natal, uma pequena vila perto do rio Nakdong. Ok-nam é seu amante e é também o professor da aldeia. Juntos, os dois trabalham para educar as pessoas e melhorar a vida na comunidade.
Comentários: Um dos 14 filmes produzidos durante a Guerra da Coreia, por muito tempo acreditou-se estar perdido devido à um erro de catalogação. Recentemente redescoberto, passou por uma restauração digital realizada pelo Korean Film Archive – a primeira de um filme originalmente filmado em 16mm na Coreia – que estreou em 2022 no Festival Internacional de Cinema de Busan, 70 anos depois da sua estreia original. O filme sobreviveu na íntegra, inclusive com a trilha musical feita pelo renomado compositor Yun I-sang.
Produzido como uma propaganda de guerra financiada pelo governo sul-coreano, Rio Nakdong mescla ficção e documentário, tendo como moldura a vida em uma comunidade rural na cidade de Busan após um cerco da Guerra, ao mesmo tempo que incorpora imagens reais do conflito. Um importante registro histórico, o filme, além de fortalecer o espírito do público, também difundiu a situação de Busan para os refugiados que haviam fugido da cidade.
 

20h | Sala Grande Otelo
PIAGOL
Título original: ??? Piagol
Direção: Lee Kang-cheon
Ano: 1955
Cromia: P&B
Duração: 109 min
Formato original: 35mm
Formato de exibição: Digital (restaurado)
País: Coreia do Sul
Elenco: No Kyeong-hie, Kim Jin-kyu, Heo Jang-gan, Lee Ye-chun, Yun Wang-guk, Kim Yeong-hui
Classificação indicativa: 14 anos
Sinopse: Após a Guerra da Coreia, um grupo de guerrilheiros norte-coreanos se esconde em uma zona rural do Sul. Ciúmes e rivalidade abala suas relações, e um dos integrantes secretamente planeja desertar. 
Comentários: Realizado dois anos depois do armistício da Guerra da Coreia, em que nenhum dos dois lados pôde clamar a vitória, Piagol aborda um assunto que ainda era muito atual na Coreia do Sul: a presença de guerrilheiros norte-coreanos, escondidos em montanhas e regiões interioranas do Sul.
Filmado em áreas onde as guerrilhas estavam atuando, a produção foi perigosa para a equipe. Os personagens, todos guerrilheiros do Norte, são retratados a partir de seus conflitos humanos e afetivos, de forma que o foco não é criticar explicitamente a ideologia comunista. Justamente por causa dessa representação ambígua, o filme foi muito atacado pela mídia sul-coreana, gerando um forte debate devido ao sentimento anticomunista latente.
Ao apresentar o filme para os censores do Ministério da Cultura e da Educação, o diretor Lee Kang-cheon afirmou que a ideia era mostrar as contradições da ideologia comunista. No entanto, o Ministério não concordou, argumentando que o filme poderia ser perigoso considerando que ainda havia pessoas no Sul que simpatizavam com o Norte. Para conseguir a liberação do longa, o diretor precisou incluir uma imagem da bandeira da Coreia do Sul como o plano final do filme.
Anos depois, a representação de norte-coreanos de forma humanizada novamente gerou debates, e acabou sendo a causa da prisão do diretor Lee Man-hee após a realização do seu filme Seven Women Prisioners (1965).
 

Sábado, 6 de julho
16h | Sala Grande Otelo
A VIÚVA
Título original: ??? Mimangin
Direção: Park Nam-ok
Ano: 1955
Cromia: P&B
Duração: 76 min
Formato original: 16mm
Formato de exibição: Digital (restaurado)
País: Coreia do Sul
Classificação indicativa: 12 anos
Sinopse: Shin-ja vive com sua filha Ju e tem o apoio financeiro de Sung-jin, amigo de seu marido morto na Guerra da Coreia. Sung-jin se apaixona por Shin-ja, fazendo com que sua esposa fique com ciúmes e corra atrás do jovem Taek. Quando Taek salva Ju de um afogamento, Shin-ja se apaixona por ele.
Comentários: Apesar de ser um clássico melodrama, A víuva traz uma representação realista e pouco comum para a época da maternidade e do casamento. Primeiro longa-metragem realizada por uma mulher sul-coreana, a diretora Park Nam-ok já tinha experiência prévia por ter dirigido diversos cinejornais durante a Guerra. A produção, no entanto, passou por muitos percalços, sobretudo pelo gênero da diretora: a dificuldade para captar recursos, a necessidade de levar seu bebê recém-nascido para o set, e restrições para acessar os estúdios durante a pós-produção simplesmente por ser uma mulher.
Apesar disso, a diretora conseguiu lançar o filme nos cinemas com a ajuda de amigos da indústria, tendo ficado apenas quatro dias em cartaz em uma única sala em Seul, de forma que não houve um retorno financeiro. Essas dificuldades frustraram Park, que nunca mais dirigiu outro projeto.
Após cair no esquecimento por anos, A viúva foi resgatado na primeira edição do Women Film Festival, em Seul (1997), exibido como filme de abertura. A cópia projetada na ocasião serviu de complemento ao negativo original em 16mm para a restauração do longa, realizado pelo Korean Film Archive. Porém, tanto o negativo quanto a cópia sobreviveram sem o rolo final, e o penúltimo rolo já não possuía mais a trilha sonora. O resultado é um filme com o final em aberto, demandando do público um trabalho imaginativo.
 

19h | Sala Grande Otelo
MADAME LIBERDADE
Título original: ???? Jayu buin
Direção: Han Hyeong-mo
Ano: 1956
Cromia: P&B
Duração: 126 min
Formato original: 35mm
Formato de exibição: Digital (restaurado)
País: Coreia do Sul
Classificação indicativa: 12 anos
Sinopse: Seon-yeong, esposa do professor universitário Tae-yeon, deseja trabalhar em uma boutique para ganhar sua própria renda. Embora o marido seja inicialmente contra, ele concorda relutantemente. Um dia, Seong-yeong conhece Chun-ho, um jovem vizinho, e se interessa por ele. Ao mesmo tempo, ela começa a frequentar bailes cheios de soldados americanos com sua amiga Yoon-joo.
Comentários: Adaptação de um romance de Jeong Bi-seok publicado de forma seriada no Seoul Newspaper em 1956 que gerou polêmicas por retratar a cultura do consumo e mulheres frequentando bailes sem seus maridos. O filme, assim com outros da década, abordam o embate entre cultura tradicional coreana e o estilo de vida ocidental que estava se proliferando pela ocupação americana, sendo sobretudo as personagens femininas a representação dessa contradição.
Han Hyeong-mo havia atuado como diretor de fotografia no Japão na década de 1940, e teve como objetivo fazer de Madame Liberdade um espetáculo para o público: a direção de arte é detalhada e a equipe técnica desenvolveu maquinarias especiais para permitir movimentos de câmera diferenciados.
As críticas feitas por alguns jornais de que o filme seria imoral fez com que o interesse do público aumentasse: Madame Liberdade foi um sucesso de bilheteria, o que fortaleceu a indústria cinematográfica sul-coreana, tornando-se um dos filmes da sua nascente Era de Ouro (1955-1972).
 

Domingo, 7 de julho
16h | Sala Grande Otelo
DINHEIRO
Título original: ? Don
Direção: Kim So-dong
Ano: 1958
Cromia: P&B
Duração: 124 min
Formato original: 35mm
Formato de exibição: Digital (restaurado)
País: Coreia do Sul
Classificação indicativa: 14 anos
Sinopse: Bong-su é um fazendeiro ingênuo e diligente, mas sua situação não dá sinais de melhoria apesar de seu esforço. Ele precisou até mesmo adiar várias vezes o casamento da filha por causa de dificuldades financeiras. Bong-su vende sua colheita, mas acaba perdendo todos os seus ganhos em jogos. Diante do desespero e da pressão da dívida, ele vende o gado da família, apenas para perder tudo para um vigarista.
Comentários: Baseado em uma peça de Son Ki-hyun, o filme foi realizado de forma precária, sobretudo pela escassez de negativo disponível, que era caro e de difícil acesso. Mesmo assim, o filme é bem-sucedido em sua técnica e estética, construindo uma crítica da sociedade capitalista. 
O tom pessimista e a influência do neorrealismo italiano aproximam o filme de A flor no inferno, embora em Dinheiro o foco seja a dura realidade dos fazendeiros na Coreia do Sul pós-guerra.
Lembrado pela interpretação marcante de Kim Seung-ho – que atua também em O dia do casamento –, Dinheiro havia sido escolhido como representante da Coreia do Sul no Asia Pacific Film Festival, o mais prestigiado da Ásia na época. No entanto, o governo decidiu barrá-lo por considerar que a representação da sociedade sul-coreana era muito negativa. O diretor, Kim So-dong, recebeu apoio da comunidade cinematográfica, mas sem sucesso para reverter a decisão.
 

19h | Sala Grande Otelo
A FLOR NO INFERNO
Título original: ??? Jiokhwa
Direção: Shin Sang-ok             
Ano: 1958
Cromia: P&B
Duração: 88 min
Formato original: 35mm
Formato de exibição: Digital (restaurado)
País: Coreia do Sul
Classificação indicativa: 14 anos
Sinopse: Dong-shik, um jovem inocente do interior, chega a Seul em busca de seu irmão. Entre as ruas movimentadas e bases do exército americano na cidade pós-guerra, Dong-shik descobre que seu irmão Young-shik se tornou um criminoso envolvido romanticamente com Sonya, uma trabalhadora sexual. Dong-shik tenta convencê-lo a voltarem juntos para sua cidade natal, mas logo se veem envolvidos em um triângulo amoroso inesperado.
Comentários: A flor no inferno foi um dos primeiros filmes realizados por Shin Sang-ok, um dos diretores mais importantes e prolíficos da chamada Era de Ouro (1955-1972) do cinema sul-coreano. Misturando influências do neorrealismo italiano, do noir e do melodrama, o filme retrata as dinâmicas sociais do pós-guerra, mostrando uma Seul desolada e ocupada por soldados americanos.
A relação dos soldados com as mulheres é um dos principais focos do filme, a partir da personagem Sonya, uma femme fatale rara no cinema sul-coreano da época. Interpretada por Choi Eun-hee, o público estranhou vê-la interpretar uma prostituta, papel tão diferente dos que ela estava habituada.
Com cenas documentais dos bailes dos soldados e da reconstrução da capital, o filme traz uma visão realista e sombria do país no período, algo incomum na década de 50.

SERVIÇO:

CINEMATECA BRASILEIRA
Largo Senador Raul Cardoso, 207 – Vila Mariana
 

Horário de funcionamento
Espaços públicos: de segunda a segunda, das 08 às 18h
Salas de cinema: conforme a grade de programação.
Biblioteca: de segunda a sexta, das 10h às 17h, exceto feriados

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