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|Crítica| 'Ainda Temos o Amanhã' (2024) - Dir. Paola Cortellesi

|Crítica| 'Ainda Temos o Amanhã' (2024) - Dir. Paola Cortellesi

Crítica por Victor Russo.

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'Ainda Temos o Amanhã' / Pandora Filmes

 

Título Original: C'è Ancora Domani (Itália)
Ano: 2024
Diretora: Paola Cortellesi
Elenco: Paola Cortellesi, Valerio Mastandrea, Romana Maggiora, Emanuela Fanelli, Giorgio Colangeli e Alessia Barela.
Duração: 118 min.
Nota: 3,0/5,0
 

Estreia ambiciosa de Paola Cortellesi flerta com o cinema italiano para contar a história do país, mas não consegue lidar bem com todos os gêneros e escolhas de linguagem que propõe

Raramente diretores estreantes demonstram uma maturidade no uso da linguagem cinematográfica. Ainda que as possibilidades são várias, é muito comum cineastas recorrerem a um minimalismo seguro, em filmes menores, quase como um primeiro teste, enquanto outros usam e abusam de elementos expressivos para tentarem demonstrar à força que sabem o que estão fazendo. Esses geralmente são os piores. A atriz italiana Paola Cortellesi estreia na função com um misto dos dois, um filme que parece quase sempre em um lugar seguro, ao mesmo tempo em que volta e meia encontra soluções mais ousadas ou um repertório bastante interessante. 

Assim, o longa retrata uma dona de casa na Itália pós-Segunda Guerra, interpretada pela própria diretora, algo bastante comum quando atores vão dirigir o seu primeiro filme, e, como de costume, há uma valorização da atuação, com uma câmera quase sempre apontada para Delia, tentando captar os complexos e muitos sentimentos e pensamentos que passam por ela em meio a essa rotina desgastante e dura. Entretanto, apesar da alta profundidade de campo constante, com todo o espaço cênico em foco, além do preto e branco, elementos típicos do Neorrealismo Italiano, movimento que retratava pessoas comuns nessa Itália destruída pela Guerra, o que vemos em Ainda Temos o Amanhã é um otimismo muito mais presente. A esposa é agredida pelo marido, que justifica todas as surras por ser um veterano das duas grandes guerras mundiais, vemos os soldados americanos no controle, o dinheiro contado da família, a dificuldade da protagonista de lidar com tantas funções e emoções, as mulheres lutando pela possibilidade de votar pela primeira vez, mas, no fundo, não há destruição naquela cidade. Os espaços são limpos, inteiros, ao mesmo tempo que a câmera corta constantemente, tirando mais um aspecto realista típico do neorrealismo. Se não nos fosse dito que era o pós-Guerra, jamais saberíamos. Em grande medida, apesar da tragédia diária e futura, e da imagem em preto e branco e profunda, Paola se apega muito mais às comédias de costume italianas do que ao neorrealismo em si. 

Delia é sua espécie de Jeanne Dielman, em um contexto diferente, mas que busca criar esse discurso feminista pela repetição de ações diárias e tratamentos recebidos. Só que tudo é feito com um certo otimismo, pelo menos durante a maior parte da projeção. A estrutura musical reforça isso. Por mais que os personagens não cantem as músicas, é como se eles as escutassem e as dançassem, nessas rupturas narrativas típicas dos números musicais, criando um efeito interessante em teoria, mas que, na prática, quase sempre romantiza as agressões sofridas pela personagem, algo meio A Vida é Bela ou Jojo Rabbit. Ou seja, sempre que a personagem é agredida, ou não vemos a ação (escolha mais sólida da direção), ou aquilo é encenado como uma dança, dando beleza à violência, suavizando o ato. Ainda que incomum, o efeito final é o oposto daquele buscado por Paola, a dor quase se esvai por completo, e só retorna quando a personagem é cobrada pela filha, cena que se repete logo em seguida de apanhar do marido..

Entretanto, não são todos os tiros  mais ambiciosos de Paola que saem pela culatra, a diretora tem um controle raro para uma estreante ao lidar com os diferentes gêneros que a obra adentra, sobretudo quando os combina, como a cena do casal em frente à oficina, compartilhando aquele amor que nunca se concretizará, carregando a dor da impossibilidade que fará da vida de Delia essa amargura diária, ao mesmo tempo em que tudo para (inclusive o som que dá lugar a uma música extradiegética), a câmera gira, rompe o espaço, foca naquele pequeno fragmento de tempo compartilhado, os rostos apaixonados, e o que machuca ganha graça pelos dentes sujos de chocolate. Algo semelhante acontece quando a cineasta combina suspense e melodrama, justamente nas duas sequências em que a protagonista tenta fugir/votar, a representação da sua primeira liberdade, ainda que, mais uma vez, um tanto otimista (dessa vez historicamente, já que essa eleição resultou justamente na manutenção daquela sociedade conservadora e um freio às propostas liberais no país). O recurso simples da montagem paralela, utilizada da forma que os filmes de ação do primeiro cinema faziam, é eficiente para criar esse desespero da libertação. Conseguirá a personagem driblar as garras do marido, enquanto o amigo de seu sogro chega para contar sobre a morte deste? Será possível votar sem ser avistada pelo cônjuge que a persegue? São momentos como esses, filmados com a amargura de um bom melodrama, por meio de planos poderosos, como a mulher ficando à frente de Delia por acaso na hora que o marido olha para aquele lado, que deixam um gostinho otimista para o futuro de Paola enquanto cineasta. 

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