|Crítica| 'Os Observadores' (2024) - Dir. Ishana Night Shyamalan
Crítica por Victor Russo.
'Os Observadores' / Warner Bros. Pictures
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Ishana Night Shyamalan estreia com um conto de fadas sombrio que insere em sua fantasia o voyeurismo do espectador de cinema e suas atitudes frente à frustração do mundo real
Criada no cinema junto ao pai (M. Night Shyamalan), Os Observadores soa quase como uma continuidade à criação do pai, não só em estrutura, iniciando com uma tentativa frustrada de entender o desconhecido e confrontá-lo e finalizando com uma reviravolta que expõe essa mitologia de forma mais clara, mas, principalmente, em como resgata uma fantasia bastante esquecida no cinema contemporâneo. Após o 11 de setembro, o cinema hollywoodiano foi gradualmente se tornando mais sombrio e realista, rejeitando o espaço para a imaginação e buscando todas as respostas em um mal mais real, o que afetou diretamente gêneros como o terror e até mesmo os filmes de super-heróis. Foram poucos como Shyamalan, Sam Raimi e as Irmãs Wachowski que se mantiveram fiéis ao fantasioso e, não por acaso, esses nomes são encarados pelo senso comum como diretores que “perderam a mão”. Ishana, que tem como seus primeiros créditos oficiais a direção de segunda unidade em Tempo e co-roteirista e co-diretora em The Servant, não esconde com quem aprendeu a fazer filmes, mas também não se mantém restrita ao cinema do pai. Os Observadores, goste ou não, é um filme maduro, que não parece nem de longe realizado por uma estreante, e que tem seu olhar mais profundo para a relação com a própria dinâmica do cinema enquanto arte, nesse sentido, lembrando um pouco o experimento de M. Night com A Visita e toda investigação sobre o dispositivo e nova maneira de usar o found footage, praticamente morto naquele período.
Assim, o título do longa não remete apenas àquelas criaturas desconhecidas que assombram a protagonista, mas fazem referência a nós, espectadores. A janela, que para os personagens é um espelho, constroi essa divisão entre o mundo real e o mundo do filme. Os observadores, monstros que querem ser entretidos, vivem nesse mundo real, enquanto os personagens são manipulados por eles e só experimentam algum sentido de realidade quando são colocados em frente a uma tela vigiando um reality show. Até aí, nenhuma grande novidade, desde Hitchcock é comum diretores lidarem com personagens que se percebem observados e tentam devolver esse olhar para quem os vê, traçando uma relação com o público, muitos de forma até mais direta, quebrando a quarta parede. Só que Ishana não para por aí, tem em seu desenvolvimento uma percepção ainda maior do espectador cinematográfico. Esses monstros voyeurs não só observam e se deliciam com isso, criando suas regras para se manter em um lugar seguro daqueles que estão olhando, como também tentam copiar aquelas figuras diante deles, sem nunca serem capazes de reproduzirem uma figura exata, semelhante a nós, que mergulhamos de cabeça naquilo que assistimos e, por aquelas duas horas na sala escura, nos sentimos parte e nos identificamos com os personagens em tela. Mas, quando as luzes se acendem, nós percebemos que não somos aqueles personagens, a frustração bate e, sem saber como lidar com ela, consumimos, compramos pôsteres, dvds, action figures etc daquelas figuras idealizadas.
Só que, Ishana tem maturidade o suficiente para não se apegar nessa relação, é capaz de inseri-la dentro dessa diegese de forma natural, por meio de um filme de gênero que acredita na própria fantasia e se usando do artifício cinematográfico para construir esse jogo de observação. Vemos Mina (Dakota Fanning) sempre distante, como se alguém a observasse da floresta sem que ela percebesse esse olhar. Raramente ela volta seus olhos para a câmera, quase sempre a vemos de costas ou de lado. Enquanto isso, quando é a personagem que se esconde e vamos ter a primeira demonstração dos monstros, Ishana mantém o seu mistério, apresentando criaturas grandes, disformes, se metamorfoseando e soltando sons aterrorizantes, mas sempre vistas na sombras ou apenas como silhuetas distantes. Tarda quase todo o filme para vermos esses observadores de forma mais clara e mais ainda para entendermos toda a mitologia, justamente no momento em que a cineasta derrapa, trai sua própria construção e parece tão obcecada pelo que criou que não recusa a possibilidade de expor cada detalhe por longos minutos após a fuga do palco principal, onde o show de verdade realmente ocorreu.