|Crítica| 'Gasoline Rainbow' (2024) - Dir. Turner Ross e Bill Ross IV
Crítica por Victor Russo.
'Gasoline Rainbow' / MUBI
|
O horizonte distante e inalcançável que transforma os personagens em silhuetas vai, a cada novo encontro e experiência, dando forma e personalidade para o momento vivido
Os créditos que indicam Dirigido, Escrito, Fotografado, Montado e Produzido pelos irmãos Ross já denunciam o caráter independente de Gasoline Rainbow, longa que toma para si um estilo bastante próprio do cinema indie estadunidense, em sua imagem de resolução não tão alta e granulada, com um predomínio da luz natural e o contato natural entre personagens entre si e para com espaço, assim como o road movie de pessoas com um destino final, mas com aquele clichê “o que importa é jornada”. Ao mesmo tempo, os créditos esclarecem outra percepção que já era bastante óbvia durante a projeção, aqueles garotos representam a eles mesmos, são não atores em seu primeiro longa-metragem que representam ficcionalmente interações com um ar grande de realismo. Tal tendência, bastante comum no cinema de algumas cidades do Brasil, revela bastante de um cinema à margem, só que com grande número de produções, que transgridem uma definição clara entre documentário e ficção, não tanto quanto o cinema iraniano faz as décadas, de forma autoconsciente e irônica, e, sim, a partir da naturalidade dessas interações reais ficcionalizadas pela câmera. Ao contrário do documentário, que, em teoria, busca a verdade, essa tendência tem como base o encenado, enquanto o real se torna uma consequência do processo e não o objetivo.
Os irmãos Ross dominam bem essa dinâmica, sobretudo com o que é captado pelo aparato. Nesse sentido, o filme enfraquece sua encenação justamente quando recorre ao voice over, explicitando o que cada um desses garotos pensam e sentem nessa jornada meio sem rumo, o que, na prática, já está presente em cada uma dessas interações que marcam toda a estrada do longa. Assim, nós somos levados a acompanhar esses personagens primeiro a partir do contraluz, seja de luzes do carro à noite ou, principalmente, do sol que se apresenta ao fundo. Com o único objetivo de encontrar o mar, esses personagens têm esse horizonte como um desejo inalcançável, não importando o quanto se desloquem, a distância parece nunca diminuir. É o ambiente como a representação desse sonho, dessa vontade de mudar, de se deslocar, de viver para além do seu lugar seguro que não te apresenta muitas possibilidades. Entretanto, ainda que de início não conheçamos muito desses personagens, como se a personalidade deles fosse tirada pela escuridão com que são apresentados frente a essa luz dominante vindo do fundo, vemos nessas silhuetas e diálogos a união de iguais frente a um mundo que não os reconhece, sendo essa proximidade inseparável o combustível que move essa viagem, seja na van, a pé ou de carona.
Aos poucos vemos como o clichê da jornada vai ganhando corpo por meio dessas interações naturais, enxergando beleza no momento, no viver e encontrar os seus semelhantes que pareciam escondidos em suas bolhas. É só por meio do deslocamento que essas interações são possíveis, ao mesmo tempo que passageiras. Se o destino final parece se deslocar, o grupo mantém essa obsessão pela estrada, deixando aqueles do caminho como recordações, boas ou ruins, como a van depredada, que, na real, nem abala tanto o grupo assim. Dessa forma, os irmãos Ross vão aos poucos dando menos atenção para o horizonte, esse símbolo da concretização vai perdendo importância, enquanto a câmera passa a buscar cada vez mais o que está próximo a ela, essas pessoas, para, só assim, começarmos a conhecer mais desses cinco integrantes que nos foram apresentados da forma mais protocolar possível, a partir de seus documentos. Ou seja, a jornada que se inicia com o que torna a pessoa alguém perante o sistema, mas pouco diz sobre ela, vai ganhando forma a partir dos sentimentos, o que realmente determina quem somos, mas nada vale para as instituições legais.