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|Crítica| 'Crônicas do Irã' (2024) - Dir. Ali Asgari e Alireza Khatami

|Crítica| 'Crônicas do Irã' (2024) - Dir. Ali Asgari e Alireza Khatami

Crítica por Raissa Ferreira.

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'Crônicas do Irã' / Imovision

 

Título Original: Terrestrial Verses (Irã)
Ano: 2024
Diretores: Ali Asgari e Alireza Khatami
Elenco : Majid Salehi, Gohar Kheyrandish, Farzin Mohades, Sadaf Asgari e Hossein Soleymani.
Duração: 77 min.
Nota: 3,5/5,0

 

Ali Asgari e Alireza Khatami incitam a revolta em histórias curtas e sarcásticas que escancaram os abusos de poder e limitações do opressivo sistema iraniano

Cada vez mais chegam a nós obras de protesto de cineastas iranianos, é histórico na arte do país e tristemente uma marca de uma nação oprimida, com diversos diretores fugindo, sendo presos e impedidos de se manifestarem. Não à toa, Crônicas do Irã foi financiado pelos próprios Ali Asgari e Alireza Khatami e obviamente encontrou problemas em sua produção, fato que provavelmente está traduzido em uma das pequenas histórias ao final do longa. As limitações do estado são sentidas não apenas no que o filme é, em roteiro e temáticas, mas em sua estrutura, simples, a câmera se posiciona estática e bem estabilizada enquanto um personagem por vez se coloca na frente dela, em um cenário que geralmente reflete burocracias, e toda narrativa se desenrola em poucos minutos, encontrando soluções para mostrar o que precisa ser mostrado sem alterar o ponto de vista. O que Asgari e Khatami fazem é colocar as ferramentas desse estado abusivo em posição de poder, ao lado da lente que estabelece a janela de visão para o espectador, porém, nunca dando a eles visibilidade, esconde suas imagens para que a obra se concentre em suas atitudes. Assim, os personagens em foco são tratados com rispidez, preconceito e agressividade e colocados em uma posição vulnerável, de frente para nós, à mercê desse estado, embora respondam de forma questionadora e firme por vezes, são o elo mais fraco de todas as interações e dessa maneira, as injustiças e violências cometidas provocam revolta em quem assiste totalmente impotente a cada pequeno acontecimento. 

De algo menor, um nome que não pode ser escolhido para o filho recém-nascido, pois seria estrangeiro e feriria os valores religiosos e nacionalistas do Irã, a narrativa passa de uma simples irritação burocrática, a um desespero quando uma mulher é colocada em perigo de ser abusada em uma entrevista de emprego. As pequenas histórias escalam sempre revelando as barreiras que o país e a religião colocam às pessoas, em um exercício dos cineastas de mostrar para espectadores de diferentes realidades como um sistema opressivo limita as escolhas e prende a população a ideias absurdas. Uma mulher busca seu cão, pois os animais estão sendo retirados das pessoas nas ruas, um homem é obrigado a se despir de forma humilhantes na tentativa de obter sua carteira de motorista, um diretor de cinema é impedido de produzir seu filme se não quiser adequar o roteiro ao valores do país, situações das mais simples são levadas a extremos inimagináveis (em alguns lugares do mundo) para incitar em quem assiste uma revolta contra algo que acontece todos os dias no Irã. Crônicas do Irã esteve em Cannes em 2023 e, apenas um ano depois, um diretor iraniano fugiu a pé do país após ser sentenciado a cinco anos de prisão e chibatadas por outra produção sua, e esse é apenas um exemplo muito real da situação que Asgari e Khatami tentam passar com muito sarcasmo e humor em uma mise-en-scène organizada e limpa, e com pouco mais de uma hora, bastante palatável aos espectadores mais comuns e menos íntimos com um cinema fora de hollywood.

O grande feito aqui está no controle desse ponto de vista e no posicionamento de seus personagens, bem como no momento certo de interromper essas histórias. Não se sabe o que acontece depois que a menina compra suas roupas para uma cerimônia religiosa imposta pela escola, não se sabe se o homem desempregado conseguirá uma oportunidade mesmo sem ter intimidade com o xiismo, se a mulher fugiu do abuso e ficou bem, se a outra conseguiu provar que não estava dirigindo sem véu e manterá seu veículo, se o cachorro da senhora foi encontrado. Uma a uma essas pessoas são colocadas tão vulneráveis na nossa frente, sendo obrigadas a respeitar a religião de formas que elas também consideram abusivas e a seguir as regras ditatoriais do estado, que toda encenação apela para que partilhemos a revolta delas, quando questionam ou quando se sentem fracas, quando tentam se impor - como a menina que faz chantagem na escola - ou quando são humilhadas, estamos tão conectados pela posição desse ponto de vista que nossa impotência se une à indignação com os acontecimentos, fortalecendo a empatia com cada pessoa ali retratada, não importa quão curta seja sua aparição. 

 

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