|Crítica| 'Imaculada' (2024) - Dir. Michael Mohan
Crítica por Raissa Ferreira.
'Imaculada' / Diamond Films
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Com filme mecânico e sem emoção, Michael Mohan olha para o controle de corpos na igreja deixando de lado qualquer artifício mais criativo do horror
É bem curioso como A Primeira Profecia e Imaculada chegam aos cinemas no mesmo ano com tramas tão parecidas, não apenas em suas histórias, mas com cenas inteiras parecendo releituras umas das outras. Torna-se inevitável então um olhar crítico que não encontre as diferenças entre ambos e, enquanto Arkasha Stevenson usa as mesmas referências de filmes do gênero de forma criativa, com paixão pelo horror, Michael Mohan basicamente constrói seu enredo com elas, mas não aproveita nada para elaborar a forma como sua obra trabalha os temas propostos. Com a exceção de um susto ou outro aplicado em cenas específicas, o longa de Mohan escolhe caminhos muito mais concretos e mecânicos, não opta nem pelo terror psicológico tão usado nos últimos anos, nem por elementos mais fantasiosos do gênero, o sobrenatural, os monstros, o body horror, tudo é descartado e o que Imaculada busca é se pautar na realidade, até se desdobrando para explicar a ciência por trás do experimento biológico que habita o útero de Sydney Sweeney. Nenhum flerte com outro artifício, nem acenos para outras possibilidades, todo território em que o texto de Andrew Lobel pisa e a direção de Mohan pavimenta fazem um suspense bastante sem criatividade que soa mecânico ao mesmo tempo em que seus personagens parecem sem motivação.
É uma falta de emoção que ocorre, não é que a obra seja incompetente em seu todo, é funcional porém sem essa vida que cria alguma conexão entre o espectador e a tela, sem uma força que leve seus personagens para frente, um ar que a trama só toma em seus últimos minutos, enquanto Cecilia se rebela para fugir. A proximidade entre esse trabalho e o de Stevenson se dá basicamente por uma ideia que já não é original, é claro, portanto é a forma como é utilizada que constitui realmente um filme. A Primeira Profecia escolhe usar o horror para ilustrar o controle de corpos os invadindo imageticamente, colocando a igreja como sombra, fantasma que ronda as cenas, estabelecendo a sociedade secreta em relação ao mundo, seus atos possuem motivações, seus personagens são movidos por algo, paixões, medos, grandes sentimentos, as mulheres não são apenas vítimas como também vilãs e carregam a trama. Já Imaculada sofre em todos esses quesitos, é simplista na retratação da violação da igreja com os corpos femininos, amarra literalmente a protagonista, rejeita qualquer relação mais imaginativa entre as ideias e as imagens, mesmo quando Cecilia vê algo que poderia brincar com sua mente, e a do espectador, o filme rapidamente esclarece tudo, como se batesse o pé em dizer que nada aqui fugirá de uma realidade bastante concreta e careta. As mulheres são puramente vitimadas enquanto o padre (Álvaro Morte) concentra em si um vilanismo caricato que também revela a falta de emoção da obra, essa pequena igreja isolada e distante não se relaciona com nada maior, embora arquitete o nascimento de um bebê jesus renascido e criado em laboratório, não é a fé, nem a ganância, nem alguma paixão pela vocação ou uma loucura coletiva, não existem grandes motivadores que levam essas pessoas a fazerem o que fazem, só as fazem e as explicam e seguem como robôs seus roteiros.
Não é que essa forma bastante sem vida de seguir sua trama arruíne completamente Imaculada, mas certamente fica difícil dizer que ele consegue fazer algo além de uma competência mediana. Ao trabalhar em um gênero como o horror, as armadilhas para se errar são muitas, mas às vezes é mais satisfatório assistir alguém apaixonado e inventivo falhar miseravelmente no campo, realmente se enfiando no terror, do que alguém que não parece ter afinidade ou gosto pela coisa. O respiro que apoia o selo de competente que algumas coisas aqui carregam é a direção de fotografia de Elisha Christian, que agrega um olhar mais criativo a cenas que usam o espaço a favor da trama. Mesmo que Mohan seja tão simplista em como trabalha sua narrativa, a câmera ainda brinca em alguns momentos com o que a cerca, dá a emoção que falta a Cecilia a jogando em um abismo visual no confessionário ou aproveitando as formas e cenários para construir algum suspense mais efetivo em seu entorno, embora o que realmente exista no fim sejam explicações racionais e uma protagonista sem impulso. A pedrada ao final é interessante, por exemplo, mas se vê em como Mohan compõe a cena todas as questões que enfraquecem seu longa, é limpo, não se compromete com nada, não tem um sentimento que carregue as ações, tudo é feito apenas porque deve ser, e o horror não serve como meio para suas ideias, existe quase protocolarmente, enquanto suas imagens pouco aproveitam o terreno fértil em que poderiam estar.
Logo, essa forma mecanizada de personagens desmotivados não é capaz de criar um vínculo além da tela. Se Cecilia morresse durante sua fuga, mudaria algo? Alguém realmente se importa com o que vai acontecer aqui? Essa ausência de paixão pelo que quer que seja deixa o espectador tão sem engajamento com a obra quanto o que vemos em tela, e a ideia interessante, somada a uma fotografia que ajuda muito o horror a seguir em frente, prende até o fim, mas talvez por uma expectativa de que algo mais impactante virá, o que até acontece em alguma medida na fuga assassina da noviça imaculada, e sua frieza em esmagar o recém nascido, mas a construção geral é simplista e inerte demais, covarde até mesmo para encarar as maiores brutalidade de frente.