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|Crítica| 'Disfarce Divino' (2024) - Dir. Virginie Sauveur

|Crítica| 'Disfarce Divino' (2024) - Dir. Virginie Sauveur

Crítica por Raissa Ferreira.

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'Disfarce Divino' / Bonfilm Filmes

 

Título Original: Magnificat (França)
Ano: 2024
Diretora: Virginie Sauveur
Elenco : Karin Viard, François Berléand, Maxime Bergeron, Patrick Catalifo e Nicolas Cazalé.
Duração: 98 min.
Nota: 2,5/5,0
 

Virginie Sauveur ilumina seus personagens para questionar os papéis e gêneros dentro da igreja, mas chega sempre a uma conclusão que soa antiquada para os dias de hoje

As decisões comerciais de distribuições de filmes acabam colocando temáticas próximas, dividindo a mesma data de estreia. O feriado religioso que se aproxima, de Corpus Christi, posiciona Disfarce Divino, um longa francês, ao lado de um documentário brasileiro que registra os protestos de uma mulher trans para frequentar a igreja evangélica de sua comunidade. As tramas, é claro, não são parecidas, mas existe nelas uma mesma provocação sobre a inclusão nos antigos preconceitos religiosos, cada uma a sua maneira. Embora o escândalo com o qual os personagens precisam lidar na obra de Virginie Sauveur aponte também para um debate acerca da presença de pessoas trans nas igrejas, a identificação do padre que morre e se descobre biologicamente mulher é investigada a ponto de compreender que essa transição não foi uma escolha de gênero e identidade, mas de vocação. É interessante o caminho traçado por Charlotte (Karin Viard), remontar a vida de uma pessoa que já morreu apenas a partir de conversas com aquelas que a conheceram, rejeitando os flashbacks e ocultando, ao menos até o fim, a imagem de Pascal. No entanto, a história que já seria suficientemente densa se coloca em paralelo (ainda que em diferente proporção) à da própria chanceler e seu caso do passado com um padre, que resultou em seu filho. Tudo isso se une para questionar a igreja católica, atualmente quase falida se comparada a outros tempos, colocando em pauta o celibato, a vocação dos padres, as regras que devem seguir e, o mais pontuado, a aceitação de mulheres nesse papel importante dentro das instituições religiosas. Charlotte dá voltas mas sempre retorna a reclamar com seus superiores o grande avanço que seria se cogitassem essa mudança.

Entre todas as questões interessantes que se levantam e enquanto a chanceler descobre aos poucos como Pascal e Mathilde (interpretada pela atriz trans Stéphanie Michelini) trocaram suas identidades para viverem as vidas que queriam, Mathilde como mulher e Pascal como padre, a conclusão que Charlotte e o filme sempre parecem chegar é a mesma, do papel da mulher (cisgênero) nessa função. A provocação se dá em como o padre não precisaria ser um homem, visto que seu corpo não tem função de gênero ou sexual, serve mais como um instrumento religioso. A fotografia de Disfarce Divino investe muito na iluminação calorosa, como raios vindos dos céus, para lembrar a todo momento essa conexão espiritual. Porém, ao pensar no cenário de hoje, momento em que o longa é feito e lançado, e em uma instituição que não aceita o casamento gay e nem permite a pessoas trans que comunguem, parece que permitir mulheres como padres se torna uma preocupação pequena e irrelevante perante a tantos preconceitos já estabelecidos. Há de se pensar em quantos avanços foram enxergados quando o Papa permitiu a benção na união de pessoas do mesmo gênero e isso nunca avançou, tentou-se até corrigir o que foi dito e, dessa forma, o otimismo de Virginie Sauveur em ver as mulheres nessa posição como uma evolução parece no mínimo ingenuidade. Sua crença nesse sentido é tão forte que dedica muitos de seus minutos finais a uma visão de Charlotte que coloca no lugar do padre uma figura feminina (com todas as características normativas), emocionando a protagonista. A chanceler bate na mesma tecla diversas vezes, vê sua igreja em uma queda que só pode ser resolvida pela inclusão, mas parece ignorar completamente como esse feito poderia ser muito mais revolucionário se aplicado aos fiéis de diferentes gêneros e sexualidades.

Disfarce Divino aponta seu questionamento como uma revolução, um escândalo, mas coloca a transição hormonal como algo instrumental, parece que seria um pouco demais propor que um homem trans entrou na igreja e cumpriu muito bem seu papel de padre, então seu gênero se torna algo quase removido, substituído pela vocação divina, aquela sempre muito iluminada enquanto Mathilde talvez só dê as caras em cenas bem escuras, na noite que raramente aparece no longa. As ideias que se levantam no filme podem gerar diversos caminhos, todas as questões são pertinentes e interessantes, mas o que Virginie Sauveur realmente dá luz e insiste em pontuar como radical, soa conservador para as demandas do mundo atual. 

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