|Crítica| 'Meu Sangue Ferve por Você' (2024) - Dir. Paulo Machline
Crítica por Victor Russo.
'Meu Sangue Ferve por Você' / Manequim Filmes
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A tentativa de rejeitar a cinebiografia para se transformar em um romance musical brega se despedaça em meio a uma montagem e encenação que proíbem o amor e as canções de existirem
Uma boa ideia não é um bom filme até que se prove como tal. Meu Sangue Ferve Por Você parte de uma premissa interessante, fugir da cinebiografia de homenagem hollywoodiana padronizada que o Brasil tem importado aos montes nos últimos anos. Ao criar um recorte temporal curto e focar no romance com números musicais entre Sidney Magal (Felipe Bragança) e Magali (Giovana Cordeiro), ao mesmo tempo que rejeita a seriedade para exibir tom, cenários e figurinos mais bregas, que tem tudo a ver com o cantor e sua carreira, o longa tinha tudo para ser um pedacinho de boas ideias em meio a um gênero que se repete incessantemente dentro de uma zona de conforto. Só que tudo isso morre rapidamente na ideia inicial, enquanto a direção de Paulo Machline demonstra uma inabilidade gritante de articular tais elementos.
A obra usa então a desculpa do “sou brega” para tudo que envolve sua incapacidade de construir algo. Ao mesmo tempo que o filme é gritantemente minúsculo, com uma imagem que contradiz o discurso, já que Jean Pierre (Caco Ciocler), o empresário manipulador e malvadão da vez, e os acontecimentos, como a entrega do prêmio de Miss Beleza da Bahia, falam sem parar sobre Magal ser super famoso, mas o que vemos em tela são, quando muito, meia dúzia de fãs ou um show com umas quarenta pessoas espaçadas, na prática, sua maior perdição está na falta de foco que o obriga a ser grande. São pelo menos seis ou sete personagens disputando atenção, com histórias e dilemas que Machline sente a necessidade de resolver, o que faz com que os 100 minutos não deem conta de dar real atenção para absolutamente nada, gerando um desinteresse completo da própria obra por tudo aquilo que ela clama por atenção.
Assim, o romance acontece do nada, sob a justificativa infantil de amor à primeira vista, não há química ou desenvolvimento, simplesmente somos obrigados a acreditar que eles se amam do nada e continuam se amando mesmo após Magali descobrir podres do cantor, que nunca são desmistificados ou resolvidos. O empresário vilão só fica ali de canto tentando articular algumas maldades porque sim, enquanto Ciocler, coitado, força o seu sotaque de “gringo” e sua voz para parecer ainda mais malévolo. O ex-namorado (Pablo Morais) e a prima (Sol Menezzes) existem em um romance que surge de vez em quando, nos momentos em que a narrativa pede uma dispersão temporal. O tio (Sidney Santiago), de longe o apoio mais interessante do longa, vive dúvidas sobre ser aceito pela irmã (Emanuelle Araújo), e, após uma longa espera, tudo se resolve em dois segundos. Mas nada supera os números musicais, que entram em cena para durar uns 20 segundos no máximo, entrecortados por sobreposições aleatórias e corações na tela (mais uma vez o filme querendo justificar sua inabilidade com o “sou brega”).
Essa lista pouco aprofundada de personagens, situações e cenas demonstram o tanto de coisa que o filme busca abraçar em seus 100 minutos e como ele pouco tempo dá para o romance musical, que teoricamente é o foco da obra. A montagem e a encenação são incapazes de amarrar tudo isso em uma só unidade, soando como uma série de esquetes mal acabadas de um canal do YouTube, sem muita conexão formal entre elas, com destaque para Magal parando o carro e dando um mergulho no mar, mais uma vez, com algumas sobreposições aleatórias, e para o guarda parando o ex-namorado e a prima no carro, sem que isso faça qualquer sentido para a cena ou para o restante do filme. É difícil precisar até o que é problema de encenação e o que é culpa da montagem (no fim, pouco importa, vale mesmo o resultado final). Todo o recorte interessante morre em um filme entrecortado, em que nenhuma cena dura, em que piadas são jogadas em primeiros planos de personagens aleatórios (a tia só existe no longa para isso) e que a decupagem não poderia ser mais amadora. Sobram sugestões e ideias, como a atualização do primeiro número musical para um contexto drag mais recente, mas sempre mal resolvidos pela direção. Esta cena talvez seja a mais representativa, a partir do momento que todo o poder está na coreografia (que nunca se conecta com mais nada do restante do longa), mas tudo é encenado em planos próximos e impossibilita o espectador de ver aquela dança, o elemento central de identidade do momento. É um daqueles filmes difíceis de articular um argumento coeso sobre, já que não existe unidade e nenhuma ideia se torna real em sua execução fílmica. Quem sofre são os atores, alguns por escolhas da direção, outros por inabilidade própria também.