|Crítica É Tudo Verdade 2024| 'O Cinema por Dentro' (2024) - Dir. Chad Freidrichs
Crítica por Victor Russo.
'O Cinema por Dentro' / Chad Freidrichs
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Entre o empirismo e a “magia”, o olhar apaixonado de Chad Freidrichs encontra prazer na investigação sem resposta para entender o cinema e a percepção do espectador
A busca por respostas de o “O Cinema Por Dentro” não é nova. Essa arte que surge já na era do capitalismo trouxe consigo uma nova percepção para o olhar humano ao apresentar não apenas a imagem, como já existia na fotografia, ou pessoas representando, como o teatro e a dança já faziam, mas construir uma encenação frente ao aparato cinematográfico, não terminando ali o processo, tendo, sobretudo a partir da terceira década (antes a montagem já existia, mas era menos presente), o corte como uma relação completamente nova ao ser humano. O que hoje pode soar óbvio para quase todos nós, a compreensão espaço-temporal de uma cena sem que precisemos ver todos os elementos juntos ao mesmo tempo, percebendo e formando na nossa cabeça a completude do espaço montado por fragmentos, planos que se conectam, como um simples plano e contra plano, tem uma natureza muito mais complexa do que parece. Como o cérebro humano, antes de ter qualquer relação com essa arte que combina imagens em movimento, conseguiria identificar essa relação da continuidade espaço-temporal?
A verdade é que esse objeto de estudo se complexifica muito quando olhamos para o passado e vemos que o público foi sendo moldado a entender essa linguagem do cinema sem um estudo prévio. A psicologia e o cinema sempre andaram de mãos dadas tentando entender o funcionamento da percepção humana, do olho e dos demais sentidos, mas a dificuldade foi aumentando a partir do momento em que o cinema (e depois outros meios como a televisão e o celular) se transformou em algo natural na vida do ser humano e a linguagem audiovisual passou a ser parte do dia a dia sem questionamentos. Claro que alguns casos no início do cinema, como os benshis, uma espécie de explicadores de filmes no cinema japonês das primeiras décadas, ou diversas exibições para populações que nunca haviam tido contato com o cinema (Jean-Claude Carriere cita um caso em que apresentou um filme para uma comunidade que não conseguia entender o funcionamento da trilha sonora extra-diegética, aquela mais comum, que não está no universo dos personagens), já demonstraram que a imagem em movimento, o corte, o som e outros diversos elementos dessa linguagem não são compreendidos pelo ser humano desde o nascimento, mas vão sendo adquiridos.
É a partir desse fascínio pela descoberta que Freidrichs se coloca em uma posição de organizador. Sua paixão pelo tema e pelo cinema não é revelada se posicionando frente à câmera, mas encontrando em pessoas com uma obsessão semelhante o fio condutor da narrativa, que tem como objetivo maior a investigação, mesmo quando o resultado concreto seja dificilmente alcançado. É como se essa busca por racionalizar a experiência cinematográfica e o seu processo a fim de entender a percepção do espectador sempre fosse freada por uma magia inexplicável do cinema, não importa quantos estudos fossem feitos.
Assim, o longa é muito mais sobre o processo empírico do que sobre uma concretização. É uma desmistificação de conceitos dados como certos ou até esquecidos por grande parte da psicologia e da ciência com o objetivo de demonstrar a complexidade do cinema como arte e defender essa paixão. Quando nada é concreto, os estudos só podem ser feitos pelas tentativas, pelo olhar atento, por buscar novas formas de saciar essa ânsia por descobrir uma verdadeira essência da arte, que parece sempre ser menos capaz de se responder do que era pensado.
O trabalho de Freidrichs torna-se então entrelaçar essas múltiplas percepções, do realizador de cinema, passando pelo teórico do cinema, até adentrar a ciência, em uma distância temporal que pouco modifica esse caráter investigativo e apaixonado. Claro que, para quem leu muito David Bordwell ou “Num Piscar de Olhos”, de Walter Murch, algumas passagens, sobretudo as de Murch, podem soar um tanto repetitivas, já que há quase uma transposição de tudo presente no livro para o documentário, a fim de complementar o que há de mais interessante, os estudos mais recentes e as tentativas de descobertas ao adentrar uma comunidade isolada na Turquia que nunca teve contato com a montagem. Só que, de forma geral, justamente por entender o seu papel, o cineasta cria uma obra que carrega o mesmo fascínio que ele tem e todos os apresentados frente à câmera também compartilham. É uma paixão pela descoberta e pelo cinema difícil de ser explicada, mas muito capaz de envolver o espectador em uma jornada sem fim.