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|Crítica| 'Tudo ou Nada' (2024) - Dir. Delphine Deloget

|Crítica| 'Tudo ou Nada' (2024) - Dir. Delphine Deloget

Crítica por Victor Russo.

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'Tudo ou Nada' / Imovision

 

Título Original: Rien à Perdre (França)
Ano: 2024
Diretora: Delphine Deloget
Elenco : Virginie Efira, Arieh Worthalter, Félix Lefebvre, India Hair e Mathieu Demy.
Duração: 112 min.
Nota: 3,0/5,0

 

Delphine Deloget faz de Virginie Efira a representação do desespero, rejeitando a manipulação mais característica dos filmes que torturam seus protagonistas

Tudo ou Nada, apesar de realista e preocupado em denunciar uma situação recorrente nos dias atuais (as mães que muitas vezes têm seus filhos tirados pelo serviço social por razões questionáveis), instala-se no melodrama e tem no desespero de sua protagonista (Efira), e em uma busca incessante e constantemente frustrada por trazer seu filho de volta, a condução narrativa do longa. O rosto de Efira, suas múltiplas expressões, a mulher que vai perdendo o controle a cada nova derrota e possibilidade se fechando, dominam o filme. Então, como uma espécie de melodrama realista (o que pode parecer contraditório, mas não é), Deloget se usa dos códigos tradicionais do gênero, mas os inserindo em uma estética mais contemporânea e mundana. Assim, muito comum ao melodrama é não só a empatia entre público e protagonista, muitas vezes reforçada pelo close-up, mas também a ambiguidade moral que se instala, fazendo do público não só empático ao personagem, mas também torcedor.

Ao unir o realismo ao melodrama, a cineasta simplifica dramaticamente a questão para o espectador, sem deixar de abordar a complexidade maior que todo esse sistema envolve. Ou seja, vemos tudo pelos olhos de Sylvie (Efira), logo, concordamos com ela e vilanizamos o sistema (serviço social, judiciário, burocracia etc) como um mal que precisa ser derrotado. Compadecemos com a sua busca, sabemos que ela é uma boa mãe e merece ter o seu filho de volta. A raiva que toma a protagonista a cada frustração nos consome também. Enlouquecemos junto com ela e concordamos que o único caminho possível é a fuga, a quebra da lei, já que essa lei não funciona. Na verdade, a questão é mais complexa do que essa polarização moral. Todo o sistema deve ser questionado, mas também tem um trabalho complicado ao se fazer julgamentos com poucas informações. Percebemos aqui que não são decisões boas ou justas com o garoto e sua mãe, porém, temos tal consciência pelo ponto de vista que a história é contada, escolha que exclui a falta de conhecimento daqueles “defensores da justiça”. Como tomar tal julgamento sem uma observação próxima e constante? Como ter tal observação quando muitas vezes precisa-se tomar decisões rapidamente para preservar as crianças? A dificuldade desse outro lado é quase toda suprimida da equação em prol do cinema, o melodrama de emoções profundas, e não há problema nenhum nisso. Muito pelo contrário, se Tudo ou Nada funciona durante boa parte da rodagem é justamente por isso.

Entretanto, muito parte também das escolhas formais de Deloget. Se Tudo ou Nada está longe de se diferenciar muito do gênero, sobretudo como cineastas europeus retratam esse tipo de problema jurídico, em sua história e personagens, a cineasta tem a habilidade de sutilmente fugir de algumas escolhas estilísticas que se tornaram quase um padrão, uma cartilha dos filmes focados em um protagonista sendo quase torturado em uma busca infinita. Entre essas escolhas que Deloget rejeita está o uso do som abafado em closes-ups, muitas vezes uma saída fácil para mostrar uma protagonista perdendo o controle. Não que não haja uma manipulação emocional da cineasta, existe e é bem-vinda, como na escolha da protagonista como detentora das dores do mundo contra um sistema que a impossibilita de ter justiça, tudo abordado nos parágrafos anteriores. Só que tal manipulação carrega uma certa sutileza estética, justamente esse casamento entre a dor, a empatia e a ambiguidade moral do melodrama, mas por um controle da decupagem que carrega essa noção de verdade, sobretudo na rejeição a elementos sonoros ou de desespacialização mais evidentes, que, aqui, escancarariam o teor controlador da direção e talvez diminuísse nosso sofrimento para com a personagem. Esse rigor estético fortalece, assim, o melodrama e nos faz empatizar ainda mais com o domínio de Efira em tela.

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