|Crítica| 'O Homem dos Sonhos' (2024) - Dir. Kristoffer Borgli
Crítica por Victor Russo.
'O Homem dos Sonhos' / California Filmes
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Kristoffer Borgli não consegue sustentar a interessante premissa e se entrega às obviedades da sátira espertinha sobre o mundo das redes sociais
"O Homem dos Sonhos” parece ser, desde antes do lançamento, o filme dos sonhos da cinefilia. Nicolas Cage em uma obra da A24 com um premissa super estranha, no caso, um homem que começa a aparecer nos sonhos de milhares de pessoas, muitas delas que nem sequer o conheciam. A isca estava pronta. E tal expectativa deve se concretizar com parte considerável deste público, ainda mais tendo visto que o longa vai se debruçar sobre duas tendências muito populares com essa cinefilia, que vem se ampliando e atingindo cada vez mais público: a sátira social e o terror psicológico.
Ainda que estejam longe de serem novidades e parecerem até bastante distantes entre si, ambas adquiriram um novo status na época das redes sociais, sendo a própria A24 uma das principais defensoras e difusoras de tais métodos. Apesar dos ótimos filmes dos mais diversos diretores, a produtora se colocou no mercado com um discurso meio arrogante de que seus filmes não eram apenas filmes de gênero, eles eram superiores, importantes e profundos, chegando ao ponto de tentar sustentar a tese de que os seus longas de terror psicológico eram inovadores, aceitando a terminologia pós-terror (ou terror elevado). É uma bobagem que não faz qualquer sentido, mas o discurso pegou em tempos de Twitter, que fomenta um culto à superioridade e uma necessidade de se sentir mais inteligente. Nesse sentido, gostar desse terror que se diz elevado e de sátiras sociais se transformou em uma espécie de obrigação para essa cinefilia que se vê em uma posição acima do “público convencional”.
A questão é que tal tendência do cinema pouco tem de realmente inteligente ou superior. Depois de alguns filmes ótimos de terror psicológico, passou a ter uma replicação constante, quase sempre focado no trauma, que foi tirando a vida desses filmes, tornando-os cada vez mais insossos, ainda que nem percebessem que simplesmente estavam seguindo uma fórmula. Por outro lado, a sátira, com algumas poucas exceções, tem revelado também uma certa arrogância desses realizadores, que se acham super espertos e necessários, mas subestimam o público no processo, fazendo questão de mastigar cada elemento dessas “críticas sociais foda”. O pior é que esses espectadores, ansiando por se sentirem inteligentes e parte presente de discursos importantes do mundo contemporâneo, mal percebem o quanto esses filmes não só preparam a tese, como entregam uma resposta pronta de bandeja, ainda que façam essas pessoas pensarem que elas sozinhas chegaram àquela conclusão.
"O Homem dos Sonhos” parte então dessa premissa bastante diferente, mas pouco sabe o que fazer com ela para além do estranhismo cômico dos primeiros minutos. Flerta com esse terror com a cara da A24, mas o abandona quase por completo para adotar a sátira às redes sociais. Parte então do lugar incomum para mergulhar no que há de mais replicado no cinema atual, quase sempre seguindo aquele modelo de algoritmo que transforma cada vez mais os filmes em uma espécie de thread do Twitter. Só que o longa pouco parece reconhecer isso, por mais que busque a comédia, a denúncia à cultura de cancelamento e ridicularização das agências de marketing digital e dos influencers são carregados de uma seriedade no discurso, como se o filme tivesse fazendo uma revelação poderosa para o mundo, quando, no final, aborda tais temáticas como basicamente todos os filmes anteriores a se interessar pelo assunto. É assustador como o cinema, sempre um meio muito eficiente de denunciar a realidade, tem tanta dificuldade em retratar as redes sociais, caindo sempre para uma ridicularização meio superficial ao invés de realmente tentar entender o porquê desse meio desempenhar tanta influência na nossa sociedade. Os cineastas parecem sempre confortáveis em adotar o caminho de estereotipar sem buscar qualquer resposta.
Essas escolhas de Borgli vão fazendo “O Homem dos Sonhos” degringolar e se tornar um filme completamente indeciso, inclusive não sabendo direito com qual gênero lidar em cada momento, gerando discursos contraditórios sobre o efeito que busca em diversas sequências. Muito disso é bastante decepcionante ao perceber que o cineasta tem uma concepção estética interessante, mas até essa perde o sentido quando a obra vai abandonando a seriedade psicológica, tornando os closes e planos mais abertos que diminuem o personagem (ao colocá-lo da metade para baixo do quadro) quase sem sentido. E se tudo não desmorona completamente é porque Cage segura essa bagunça para onde a narrativa o levar, mérito também do cineasta, que desde o início sabe lidar com a persona do ator, sem nunca simplesmente surfar no meme que o ator virou, como boa parte dos longas recentes protagonizados por ele fizeram.