Português (Brasil)

|Crítica| 'Duna: Parte Dois' (2024) - Dir. Denis Villeneuve

|Crítica| 'Duna: Parte Dois' (2024) - Dir. Denis Villeneuve

Crítica por Victor Russo.

Compartilhe este conteúdo:

 

'Duna: Parte Dois' / Warner Bros.

 

Título Original: Dune: Part Two (EUA)
Ano: 2024
Diretor: Denis Villeneuve
Elenco : Timothée Chalamet, Zendaya, Rebecca Ferguson, Josh Brolin, Austin Butler, Florence Pugh, Dave Bautista, Javier Bardem e Léa Seydoux.
Duração: 166 min.
Nota: 3,5/5,0
 

Denis Villeneuve calcula cada plano a fim de compreender a complexidade conceitual e de escala do universo, mas, ao fazê-lo, rejeita qualquer elemento mais direto e carnal, jogando o espectador para um lugar distante

Seja em sua parceira anterior com Roger Deakins, seja na atual com Greig Fraser, o cineasta canadense quase sempre prezou por um escopo grandioso sustentado por uma fotografia milimetricamente calculada, fazendo de um plano mais belo que o outro, mas, muitas vezes, distanciando o espectador daquele mundo ao colocá-lo na posição de contemplar aquela beleza diante dos nossos olhos, enquanto, simultaneamente, a quilômetros de distância. Claro que o tom mais austero e contemplativo que essas escolhas visuais e o esticamento do tempo, também quase sempre presente na filmografia de Villeneuve, nunca foram um problema isoladamente, funcionando sobretudo em A Chegada e sua relação central de alienígenas a serem compreendidos por uma mulher como representação de toda a humanidade. É verdade também que o diretor, sem nunca abandonar esse apuro estético, já adentrou mais em elementos de gênero, como a violência física em Os Suspeitos e a tensão latente em várias sequências de Sicário. Porém, nesse sentido, Duna: Parte 2, assim como o seu predecessor, está mais para Blade Runner 2049 do que para os dois filmes citados anteriormente.

Ao escolher olhar esse mundo de longe e com pompa, Villeneuve não só consegue estabelecer bem aquela dimensão territorial e de maquinário, como fortalece uma dinâmica mais conceitual, de regras e preocupações essenciais a esse universo. Ao ver o mito crescer em torno de si, Paul (Timothee Chalamet), agora também Muad’Dib, como o herói clássico, tenta rejeitar essa percepção de uma profecia se transformando em realidade, enquanto Lady Jessica (Rebecca Ferguson), agora Reverenda Madre, segue trilhando esse caminho pré-programado rumo ao controle que lhe foi ensinado. A complexidade das escolhas de Paul, como esse salvador estrangeiro, muito mais fabricado do que legítimo, é amplamente compreendida por Villeneuve, que dá a esse espectro central na narrativa uma atenção cheia de contradições, forçando ao protagonista o lugar não mais de um herói, mas de um anti-herói que reconhece a exploração de um povo ao seu bel-prazer e mesmo assim o faz, sabendo inclusive dos riscos futuros que o seu poder lhe permite vislumbrar. Villeneuve faz de sua jornada deliciosa de se acompanhar, da manipulação do tempo e escala, que tornam cenas como o montar em um Shai-Hulud algo tenso e triunfante, ao mesmo tempo, assim como os close-up do protagonista e de sua mãe algo próximo e distante, diferente da maior paixão com que vemos Chani (Zendaya), a guerreira que vai percebendo sua inocência ao ser manipulada aos poucos, e as cenas de multidões fervorosas, que reforçam a ambiguidade moral de Paul ao lidar com todo um povo. 

Tal complexidade se fortalece ainda mais quando vemos o outro lado, vilanizado não só pelas atitudes dos Harkonnen, retratados como psicopatas desalmados e desprovidos de qualquer humanidade, mas em como o filme se joga em tons escuros de cinza e preto sempre que eles dominam a tela. Inclusive, é na rejeição a essa dualidade presente nos vilões que faz da apresentação de Feyd-Rautha (Austin Butler), em um preto e branco de planos colossais, o momento mais cheio de tesão e visceralidade de todo o longa, quando Villeneuve consegue dar a sua preocupação dominante, a estética destacada de planos calculados, um fervor mais carnal e menos austero.

Se Duna: Parte Dois funciona na maior parte do tempo é justamente porque quase todo o filme é, assim como o antecessor, um prenúncio para algo grande que se desenha. Só que essa antecipação aqui é banhada por esses conflitos morais entre Paul, sua mãe e os Fremen, justamente quando Villeneuve melhor desenvolve sua fotografia, como se os conceitos do universo se encontrassem com essa “notoriedade” formal. O problema é, mais uma vez, quando toda essa longa espera e promessa se direciona a uma definição, sendo essa resposta aqui a guerra. É nesse momento de se jogar em tudo que foi desenhado desde o início do primeiro filme que Villeneuve parece recuar e não ter coragem de ceder ao ímpeto mais animalesco daquele confronto, mantendo-se no lugar seguro de filmar tudo distante, preocupando-se com esse embelezamento, e, ao fazê-lo, tendo vergonha de sujar as mãos nas sequências de ação, sobretudo aquelas mais físicas, do corpo a corpo entre soldados prontos para morrer por uma causa. As mortes perdem o peso, o sangue derramado não se mostra em tela, o cinza domina a projeção e a vergonha do cineasta é tamanha em parecer mais “vulgar” com uma ação mais direta que ele prefere rejeitá-la quase por completo, fazendo da guerra anunciada uns poucos planos rápidos que mal duram dois ou três minutos. Até a vingança de Gurney Halleck (Josh Brolin), em seu confronto com Rabban (Dave Bautista), mal dura 30 segundos. 

Então, quando tudo isso passa sem qualquer peso e chegamos ao confronto final, entre Paul e Feyd, quando Villeneuve não tem mais como fugir e é obrigado a filmar aquele duelo de adagas, mais uma vez o cineasta se sente obrigado a escapar do que de mais animalesco há no ser humano e prefere não filmar aquilo de forma clara e bruta, como apenas sugere, escolhendo o contra-luz estilizado para transformar a luta em algo supostamente mais artístico, o que no fim, só revela de novo a vergonha dele em sujar as mãos, escondendo-se na sombra das imagens bonitas como se isso fizesse dele mais artista. Não poderia ser mais agridoce, depois de toda uma construção potente para aquele universo riquíssimo. De novo, Villeneuve parece bater na trave ao tornar cinematográfico o fantástico universo de Frank Herbert. O final até um pouco diferente do livro, deixando uma ponta solta maior, promete-nos mais uma vez que o próximo pode ser a grande obra, o que aqui até gera mais expectativas, visto que o segundo livro é muito mais conceitual e menos fisicamente brutal, lugar em que Villeneuve provavelmente se sentirá mais confortável.

Compartilhe este conteúdo: