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|Crítica| 'A Sala dos Professores' (2024) - Dir. Ilker Çatak

|Crítica| 'A Sala dos Professores' (2024) - Dir. Ilker Çatak

Crítica por Victor Russo.

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'A Sala dos Professores' / Sony Pictures

 

Título Original: Das Lehrerzimmer (Alemanha)
Ano: 2024
Diretor: Ilker Çatak
Elenco : Leonie Benesch, Leonard Stettnisch, Eva Löbau, Michael Klammer, Rafael Stachowiak e Sarah Bauerett.
Duração: 98 min.
Nota: 2,5/5,0
 

Ílker Çatak se apropria do cinema de desconforto europeu em um filme que clama por uma “sutileza naturalista”, mas só é capaz de escancarar sua manipulação formal como enfeite para os seus “temas atuais”

Apesar de não ser uma exclusividade do cinema europeu, foi nesse continente em que o cinema de desconforto ganhou notoriedade internacional, com diretores de prestígio em grandes festivais sendo premiados ou aparecendo com frequência na competição e trazendo consigo obras que têm como maior objetivo sufocar o espectador durante toda a projeção, seja pelo choque gratuito, por uma injustiça social, pela incapacidade de comunicação entre cidadãos etc. Enquanto alguns cineastas, como Gaspar Noé e Lars Von Trier, buscam na estetização formal a resposta para o seu cinema de choque, há uma vertente ainda mais presente e menos chamativa, até por soar “menos autoral”, que desenvolveu, pela repetição dessas obras em festivais e não de forma organizada e consciente, uma cartilha para um cinema de desconforto mais supostamente naturalista, fazendo da manipulação da câmera, sobretudo, um elemento opressivo, mas menos destacado visualmente para parte do público por sua ausência de cores e movimentos gritantes. Assim, há uma dominância nesse cinema por tudo aquilo que “oprime silenciosamente” o seu protagonista, como a baixa profundidade de campo, a respiração alta do personagem contra os sons abafados ao fundo, a câmera que acompanha pela nuca ou marcando a expressão visual de desespero bem de perto, uma trilha sonora crescente de suspense, além do muito recorrente uso da razão de aspecto 4:3 (já virou um clichê dizer a tela mais quadrada sufoca os elementos e personagens no plano). O que já foi e continua sendo eficiente na mão de cineastas que conseguem trabalhar para além dessa fórmula, na maioria das vezes, traz uma sensação de conformação estilística, fazendo de todos esses elementos visuais e sonoros que viriam encarregados de uma função clara de subjugar protagonista e público, viram meros enfeites para uma preocupação temática. Não que eles não influenciem na forma como a gente percebe a “urgência do conteúdo”, claro que o fazem, já que nossa relação sensível com o filme é primeiro com a estética, mas mais parecem uma receita de bolo pré-programada para gerar efeitos específicos no espectador.

Çatak, alemão de família turca, utiliza-se de absolutamente todos esses artifícios recorrentes no cinema “naturalista” de desconforto europeu, com ainda mais um elemento recorrente no que diz respeito à premissa, trama e ambientação. É muito comum filmes assim, que pretendem revelar algo sobre aquela sociedade, ter sua câmera apontada para um professor ou uma professora, injustiçado em maior ou menor grau, e dar ênfase à escola como um lugar de relações complexas de poder e idade (professores, diretores, outros funcionários, pais e alunos) como representação de uma sociedade maior. A premissa é a mesma de sempre, um professor querido pelos seus alunos, em especial por um, quase sempre mais inteligente do que os outros, pelo qual ele devolve essa atenção, mas será esse que em algum momento lhe trará problemas, ainda que aqui não parta do garoto a questão inicial aqui. Nesse caso, Çatak nem tenta muito ser sutil em relação ao que busca comunicar, olhando para uma Alemanha moralista, estimulada a vigiar e acusar, sobretudo imigrantes, mais ainda os de países árabes, mas não deixando de reforçar que sua protagonista, de origem polonesa, tenta esconder sua identidade e se passar por alemã (vem daí a rejeição por falar polonês com outro membro da escola). Há ainda um subtexto, muito menos sutil do que Çatak acredita, de como esse desenho social forma essas crianças, que virão a replicar ou acentuar tais métodos ao se tornarem adultos.

É justamente a partir do momento em que todos os temas estão postos, o que acontece logo de início, que A Sala dos Professores acentua seus elementos formais, supostamente naturalistas, mas que não poderiam ser mais evidentemente manipulativos (a trilha que grita perigo, os movimentos rápidos para gerar desconforto nas cenas de discussão, a baixa profundidade nos closes e ao filmar a nuca da professora em movimento), quando, na verdade, eles estão ali mais para ser esse suporte do conteúdo, em uma narrativa que se desenha cena após cena a fim de revelar esse incômodo, mas que, ao final, pouco vai além desse filme de tese, que pretende escancarar problemas, só que nada faz com eles além de expor de forma direta ou por subtextos. Mais do que isso, como é comum nessas obras, o longa se dá essa importância, e, ao fazê-lo, se sente confortável para se manter nesse lugar seguro, levando-se, como sempre, a uma conclusão morna, e, revelando, assim, que, no fundo, nada há além desses temas mostrados com desconforto, não há uma proposta ou olhar realmente aprofundado para a situação. A Sala dos Professores, contenta-se então em ser mais um filme “competente” sobre “questões atuais”, como muitos críticos gostam de dizer de filmes semelhantes, mas que, apesar do tom acusatório, são medrosos em seu desenvolvimento e conclusão.


 

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