|Crítica| 'O Menino e a Garça' (2024) - Dir. Hayao Miyazaki
Crítica por Victor Russo.
'O Menino e a Garça' / Sato Compay
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Hayao Miyazaki retorna da aposentadoria olhando para o final da sua carreira e de seus mundos fantásticos
"O Menino e a Garça”, primeiro longa de Miyazaki depois de 10 anos (ele havia feito um curta em 2018) e de anunciar que havia se aposentado, traz de volta a estrutura e olhar metafórico para a fantasia e amadurecimento típicos do seu cinema. À primeira vista, pouco há aqui de diferente em relação a “A Viagem de Chihiro”, “Meu Amigo Totoro”, “Princesa Mononoke” e tantas obras na carreira do cineasta. Um protagonista jovem entra em crise com o mundo em que vive e encontra em um mundo fantástico o aprendizado necessário para lidar com a realidade. O fato do longa se passar durante a Segunda Guerra, extremamente traumática para o Japão, em muito se assemelha também a Labirinto do Fauno, sobretudo nesse jogo constante entre a beleza da fantasia e a representação metafórica desses elementos.
O que talvez diferencie “O Menino e a Garça” dos demais seja esse olhar mais pessimista e realista, o que pode soar contraditório, já que esse seja talvez o mundo fantástico do Miyazaki mais aberto, sem regras prévias e totalmente imprevisível, a ponto de nem sequer sabermos por muito tempo para onde os personagens estão indo e quais seus objetivos adjacentes. Só que em meio a essa fantasia aberta, o que vemos são elementos mais mundanos. Há muito pouco de realmente estranho ao nosso mundo aqui, por mais que essas figuras, como a garça e os papagaios, esteja alterados de sua forma original, de certa forma, resgatando a forma como o cineasta lida com as aparências em seus longas (seres que parecem fofos e são cruéis, enquanto outros que se mostram visualmente horripilantes demonstrando uma bondade. A primeira vez que a linda garça mostra os seus dentes e solta a sua voz grossa traz um pouco dessa quebra de expectativa).
Só que, por mais que essa jornada de descobrimento e aceitação da realidade não seja completamente diferente daquilo que já vimos na carreira do cineasta, apesar do mundo ser completamente novo em relação ao que ele já fez, o seu novo longa parece representar o momento do cineasta de 83 anos e que já tinha considerado a sua aposentadoria antes. É quase um caminho natural para diretores com longas carreiras e que pouco vem adiante. Parece restar apenas olhar para o passado ou aceitar o final chegando, e Miyazaki aqui até esbarra no primeiro, sobretudo na ambientação, mas mergulha de cabeça no segundo.
Seus mundos fantásticos sempre serviram de aprendizado, mas se mantiveram lá, existindo, às vezes até buscando uma mediação para coexistir com o “mundo real” do protagonista. Era quase como se aquela fuga sempre fosse uma possibilidade se o jovem precisasse recorrer a ela novamente. O Miyazaki de agora não vê mais essa alternativa, encontra na fantasia algo passageiro e restrito a um período da vida. Mas não há mais retorno. Aquele mundo se fecha de forma trágica, deixa de existir sem uma possibilidade de ser salvo, restando a todos ali presentes retornar à realidade, não necessariamente por vontade própria, mas por obrigação. Parece que o cineasta já anuncia o fim de sua carreira como esse ciclo se fechando. Ele se divertiu, aprendeu e nos ensinou muito ao longo dos anos com o seu prazer pela fantasia, mas agora o final se aproxima e o fantástico, seja lúdico ou assustador, vai deixando de ser uma opção. Pode não ser a despedida de Miyazaki para o cinema, mas certamente é um prenúncio, uma aceitação de que o fim está muito mais próximo do que o começo. E isso não precisa necessariamente ser algo ruim, já que nos divertimos muito juntos com essas aventuras.