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|Crítica| 'O Mal Que Nos Habita' (2024) - Dir. Demián Rugna

|Crítica| 'O Mal Que Nos Habita' (2024) - Dir. Demián Rugna

Crítica por Victor Russo.

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'O Mal Que Nos Habita' / Paris Filmes

 

Título Original: Cuando Acecha la Maldad (Argentina)
Ano: 2024
Diretor: Demián Rugna
Elenco : Ezequiel Rodriguez, Demián Salomón, SIlvina Sabater, Virginia Garófalo e Emilio Vodanovich.
Duração: 99 min.
Nota: 3,0/5,0

 

A incompreensão, o choque e a frontalidade inicial vão se dissipando quando esse universo começa a revelar suas próprias regras até encontrar um final quase protocolar

O novo longa de Demian Rugna é um caso curioso do filme que só é lançado no Brasil após um sucesso nas redes sociais, a partir de um consumo via Torrent (aqui ainda alavancado pelo tweet infame de Felipe Neto exaltando a obra e diminuindo o cinema brasileiro), algo semelhante ao que ocorreu no ano passado com “Skinamarink” e com alguns outros antes deste. É natural que tal movimento quase sempre se dê com filmes de terror, vista a base fiel e sedenta do gênero, sempre disposta a alavancar obras de fora do circuito dominante, algo pouco visto com os demais gêneros. Tal avidez desse público gera também um anseio desesperado por novos grandes longas do gênero, tornando comum a exaltação de qualquer filme que aparece, gerando o tradicional fenômeno do “melhor terror do ano”, com uma recorrência quase mensal e muitas vezes formada por obras sem nada de realmente especial. “O Mal Que Nos Habita” é o da vez, com o agravante de ser argentino, o que faz os brasileiros que amam diminuir o seu cinema frente ao dos hermanos destacar ainda mais o regular filme de Rugna.

É bem verdade que o choque inicial provocado pelo cineasta é o que impulsiona tal sensação de que estamos vendo algo realmente marcante no gênero. O ritmo frenético de eventos extremamente visuais e assombrosos, como um corpo cortado ao meio com apenas as pernas sendo encontradas, o “apodrecido” deformado e soltando gosma pela boca, o assassinato inesperado com uma machado antes de um suicídio ainda mais imprevisto, um cachorro comendo o rosto de uma menina etc, não só chamam nossa atenção e nos convidam a adentrar aquele universo de forma bem direta, como, principalmente, mantêm o nosso interesse justamente pela dinâmica estabelecida entre os personagens e aquele mundo. O mal na forma do apodrecido assombra os que ali vivem, que reconhecem aquela figura e os desdobramentos que virão a partir dela, mas são aterrorizados por não saber como lidar com aquilo e nem como surgiu em um lugar tão remoto. Nós somos então capturados pelo desconhecimento, por sermos jogados no meio de uma ação quase sem respostas. Rugna, assim, consegue formular um universo bastante particular, que soa igual à nossa realidade em um primeiro olhar, mas cria uma particularidade a partir de regras tão próprias. É esse choque entre o saber (dos personagens) e o não saber (o público) que faz dessa frenesí dos primeiros minutos algo tão engajante.

A partir de então, o longa até tenta manter o mesmo senso de urgência, mas, ao termos as regras reveladas, uma a uma, assim como o mistério todo deixando de ser desconhecido, quando uma personagem aparece e conta praticamente tudo que precisamos saber, “O Mal Que Nos Habita” vai gradualmente perdendo esse interesse pelo direto, por uma falta de saber que é recompensada por escolhas visuais chocantes e inesperadas. O filme se entrega, se trai, e passa então a inclusive rejeitar essa frontalidade inicial. Não chega a ser uma dessas obras do gênero que tem vergonha de ser terror e vê no drama a única possibilidade de uma suposta exaltação artística. Rugna ama o gênero, faz do drama familiar apenas um dispositivo para essa sensação de mal que domina tudo, os ambientes e pessoas, e pode aparecer a cada esquina. Só que o sentimento que fica é a de que ele não sabia como resolver a ótima introdução que temos naquele universo, restando apenas um final chocho que apela para alguns clichês do gênero sem tanta inspiração para se fechar. São as crianças malignas, as execuções fora de campo e as constantes decisões estúpidas dos personagens que encerram a obra. As sensações se perdem e aquele inferno na terra vira só mais um filme de terror que não sabe muito para onde ir e nem como ir.

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