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|Crítica| 'Pobres Criaturas' (2024) - Dir. Yorgos Lanthimos

|Crítica| 'Pobres Criaturas' (2024) - Dir. Yorgos Lanthimos

Crítica por Victor Russo.

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'Pobres Criaturas' / 20th Century Studio

 

Título Original: Poor Things (EUA)
Ano: 2024
Diretor: Yorgos Lanthimos
Elenco : Emma Stone, Mark Ruffalo, Willen Dafoe, Ramy Youssef, Jerrod Carmichael e Margaret Qualley.
Duração: 141 min.
Nota: 3,5/5,0
 

Yorgos Lanthimos olha para os primórdios de cinema de horror sob uma lente metafórica e literalmente contemporânea, transformando suas esquisitices mecânicas, pela primeira vez, em otimismo revolucionário

O principal nome da chamada “Estranha Onda Grega”, Yorgos Lanthimos ficou muito marcado por esse cinema disposto a chocar pelo esquisito e, quase sempre, violento. Só que essa ânsia por soar agressivo e transgressivo sempre fez do cinema do cineasta um tanto mecânico e, às vezes, como em “Dente Canino”, pretensiosamente vazio. Por mais que “O Lagosta” e “O Sacrifício do Cervo Sagrado” até lidem melhor com esse cinema que tenta se sustentar por uma premissa e personagens agindo de formas não convencionais, o distanciamento do público para com aquele universo muitas vezes não permite uma conexão mais profunda com aqueles personagens e situações, gerando uma espécie de exaltação dos temas supostamente originais, sobretudo no filme de 2015. Por isso, “A Favorita” representa uma virada de chave na carreira do cineasta, sendo o momento em que ele começa a lidar mais frontalmente com a sátira de costumes a partir de uma dinâmica de personagens detestáveis em uma trama de intrigas deliciosa de acompanhar. Por mais que não abandonasse o seu virtuosismo estético mais evidente, agora Lanthimos se mostrava capaz de fazer das suas lentes deformadoras, da sua trilha sonora gritante e dos seus movimentos de câmera suntuosos uma forma de pulsar essa narrativa de vários pontos de vistas. É como se ele descesse daquele pedestal observador e se jogasse no seu universo fílmico.

"Pobres Criaturas” marca um retorno do cineasta às suas esquisitices mais habituais, mas não como antes. Lanthimos se coloca em um novo lugar agora, ainda um pouco mecânico e distanciado, mas se permitindo ter um fascínio pelo próprio universo. A premissa que transpira estranheza (é baseado no livro de Alasdair Gray) não tem mais aquela ânsia em chocar pelo diferente. Lanthimos parece olhar agora com mais carinho para os seus personagens e suas peculiaridades. Ter narrativas focadas em personagens femininas parece ter apurado uma sensibilidade maior do diretor, o que fica evidente em uma obra que faz uma releitura de Frankenstein colocando Bella Baxter (Emma Stone) como essa mulher em uma jornada de autodescobrimento e confronto com os valores do mundo. Só que esse olhar para o terror nunca se aprofunda no gênero e suas emoções mais extremas, pelo contrário, ele serve como um aprofundamento na fantasia a partir de uma estética em constante transformação. Claro que o diretor não abandona seu estilo mais evidente, só que agora ele ressignifica até a sua lente olho de peixe capaz de distorcer tudo, não só fazendo dessa desestabilização espacial uma clara referência ao expressionismo alemão (a forma como ele fecha apenas em um elemento da imagem também conversa muito com esse cinema das primeiras décadas), mas também gerando uma sensação de observação constante que a personagem passa em seus primeiros anos de vida.

A partir do momento em que ela deixa a casa de Godwin Baxter (Willem Dafoe), chamado apenas de God (uma referência a essa ambição de Deus do cientista em criar novas formas de vida, ao mesmo tempo que visualmente se assemelha muito ao Frankenstein), Bella se transforma, assim como o mundo ao seu redor. A atuação de Stone vai passando por essas mudanças sutis, de uma criança se descobrindo até virar uma mulher poderosa e segura, e que faz muito sentido essa parceria dela com Lanthimos. Parece até difícil pensar em outra atriz lidando com essas esquisitices do cineasta que não Stone. O mundo também vai ganhando outro olhar, sem nunca abandonar a distorção das lentes, até no uso da grande angular para closes, mas o preto e branco abre espaço para um colorido que remete à pinturas em movimento, por um uso criativo fascinante dos efeitos digitais que sustenta muito dessa fantasia. Não é exatamente o passado, mas um universo fantástico que permite a toda essa crueldade ganhar um tom mais otimista a partir da jornada de Bella. Mesmo o que poderia soar mais cruel passa a ser visto com mais beleza, já que faz parte desse processo e Bella se torna capaz de tomar suas próprias decisões, mesmo quando elas são frutos do sistema. A personagem sempre vai encontrar uma forma de moldar cada situação aos seus interesses, fazendo que o seu retorno para casa não seja uma volta ao início, mas a um espaço transformado, assim como os valores ali presentes. 

Dessa forma, o cineasta olha para esse passado do cinema e do mundo, mas o molda sob uma lente atual, tanto literalmente (no uso da grande angular, da computação gráfica e das demais técnicas que não existiam ou eram praticamente impensáveis nas primeiras décadas do cinema), quanto metaforicamente, ao moldar sua protagonista por um discurso e por anseios feministas, confrontando aquela sociedade patriarcal e de aparências que inicialmente rejeita essa personagem liberta, mas se mostram incapazes de resistir ao poder daquela mulher em constante transformação e que usa desses personagens masculinos para se descobrir e conhecer mais sobre o funcionamento do mundo, mas nunca dependendo deles, pelo contrário.

Lanthimos tem aqui o seu filme mais chamativo, em que cada escolha estética grita e se destaca por sua oposição ao realismo ou a qualquer tipo de minimalismo. Porém, não há mais aquela percepção egóica de um cineasta querendo chocar e mostrar o que é capaz de fazer. Ele consegue agora encontrar beleza em seu próprio cinema, ainda que lide melhor com tudo isso quando se joga no humor mais direto, aqui muito dessa sátira partindo até para a provocação a essa sociedade conservadora que vê no sexo e no corpo um tabu que não se pode tocar nem falar. O choque de “Pobres Criaturas” não está mais na violência, então, e, sim, na ironia, de uma provocação que nem deveria ser provocação, mas apenas algo natural ao ser humano e sua liberdade de desejos. Parece que o único empecilho para o cineasta grego segue sendo uma certa dificuldade em se aprofundar em emoções quando deseja, sua abordagem mecânica funciona bem quando essa sátira se distancia dos personagens, mas não encontra o mesmo efeito quando o íntimo das personagens se revelam diante de nós.

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