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|Crítica| 'Mal Viver' (2024) - Dir. João Canijo

|Crítica| 'Mal Viver' (2024) - Dir. João Canijo

Crítica por Victor Russo.

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'Mal Viver' / Zeta Filmes

 

Título Original: Mal Viver (Portugal)
Ano: 2024
Diretor João Canijo
Elenco : Anabela Moreira, Rita Blanco, Madalena Almeida, Cleia Almeida e Vera Barreto.
Duração: 127 min.
Nota: 3,5/5,0

 

Os insultos constantes encontram um distanciamento estilístico da incomunicabilidade, que nunca nos aproxima de fato das personagens, mas torna o incômodo palpável 

Um grande plano geral estático em que tudo aparece em foco. Vemos a grande piscina, um bosque e, ao fundo, fragmentos de uma cidade. O uso da câmera teleobjetiva, porém, nos priva da percepção de profundidade, a imagem fica chapada e tudo parece ocupar o mesmo espaço. O longo plano que abre “Mal Viver” nos ambienta naquele hotel que será o palco para esse teatro familiar e revela a piscina como elemento fundamental. Mais do que isso, João Canijo, ao reduzir a noção de dimensão do espaço pela escolha da lente, reforça essa noção super aflitiva de muitos elementos conflitantes ocupando um mesmo espaço, assim como será nas duas horas seguintes com aquelas mulheres se degladiando. 

Por mais que o hotel esteja praticamente vazio, a sensação é como se ele tivesse amontoado de pessoas incapazes de ocupar o mesmo espaço e conviver em harmonia. Toda a concepção estética do cineasta reforça esse desconforto da incomunicabilidade e da agressão, sendo ela das mais diversas formas. O plano, quase sempre estático, transforma esse labirinto espacial, pelo qual as personagens espiam as outras constantemente, em um lugar de falso conforto e proximidade. A luz mais quente em ambientes quase sempre fechados dá uma falsa sensação de calor humano, enquanto a câmera muitas vezes próxima, em close-up ou primeiro plano, falsamente sugere uma empatia para com aquelas personagens.

Rapidamente percebemos o truque de Canijo, as agressões verbais e desentendimentos no primeiro jantar já são encenados de forma desconfortável. Os enquadramentos e a decupagem muitas vezes tiram da tela e relegam ao fora de campo quem está falando, o que torna ainda mais incompreensível pela sobreposição constante de muitos diálogos, o que vai permear todo o longa. Ninguém parece se escutar e quando ouve é para responder com uma fala ainda mais provocativa e agressiva. A mãe (Anabela Moreira) se torna esse dispositivo de conflito constante, que bate e leva de todos os lados o filme todo. Por mais que as outras personagens tenham suas desavenças, é ela quem vai estar sempre no centro das atenções, com um distanciamento da filha, que mais parece uma consequência natural da forma como foi criada pela mãe que a agride (a única agressão física de todo o longa), e que gera uma tentativa desajeitada de se aproximar de Salomé (Madalena Almeida), ora por um carinho que soa forçado, ora fazendo críticas passivo-agressivas, como a implicância com o corte de cabelo.

O homem, falecido, que une aquelas mulheres no mesmo espaço ao mesmo tempo, não só nunca aparece, como rapidamente deixa de ser citado. O interesse de Canijo está nas mulheres, especificamente nessas mulheres e no confronto que atravessa gerações, incapaz de demonstrar afeto. A decupagem, apesar dos planos próximos, nunca busca uma empatia das personagens para com o público, muito típico do melodrama. Pelo contrário, há um distanciamento emocional nas atuações e da própria decupagem para com as personagens. Mesmo quando se aproxima, é comum esse plano tomar uma liberdade e os poucos movimentos de câmera vão constantemente passear por distâncias curtas, mas livres, tirando essas personagens do enquadramento confortável, muitas vezes até retirando seus rostos. Somos colocados em uma posição de observar, não de julgar totalmente e menos ainda de ter afeto. Somos testemunhas postas no lugar de desconforto, convidados a se exaurir de tantos xingamentos e respostas atravessadas até ficarmos anestesiados e aceitarmos até a atitude mais drástica com a mesma naturalidade que a protagonista ao final do filme.

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