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|Crítica| 'Dogman' (2023) - Dir. Luc Besson

|Crítica| 'Dogman' (2023) - Dir. Luc Besson

Crítica por Victor Russo.

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'Dogman' / Diamond Films

 

Título Original: Dogman (França)
Ano: 2023
Diretor Luc Besson
Elenco : Caleb Landry Jones, Jojo T. Gibbs, Chistopher Denham, Grace Palma e Clemens Schick.
Duração: 114 min.
Nota: 3,0/5,0

 

Luc Besson joga com a percepção do público ao sugerir um filme de psicopata que tem na atuação de Caleb Landry Jones a desconstrução da expectativa em direção a uma fantasia fabulesca

Com uma carreira formada pela ficção científica e pelo cinema de ação, muitas vezes entrelaçando os dois em mundos futuristas e estilizados, Besson tem seu passado como grande influência na percepção inicial do público, o que até é recompensada em uma certa estilização visual mais evidente em alguns momentos, mas que pouco é nutrida em como lida com os códigos desses gêneros. Parece contraditório, mas “Dogman” é o filme mais contido do cineasta, mesmo carregado visualmente e exibindo seu estilo já no seu protagonista. Landry Jones, um dos atores mais talentosos e menos reconhecidos da sua geração, encarna essa dicotomia ao construir um personagem que é exagerado em seus atos e vestimentas, assim como amplamente marcado por suas diferenças em relação aos demais, ao mesmo tempo que todo seu sofrimento é solitário, é alguém fechado capaz de criar grandes situações. Justamente essa combinação, revelada desde os primeiros segundos, cria no espectador o imaginário de um filme que não existe, fazendo com que o desenvolvimento narrativo seja quase sempre inesperado pelo estranhamento, um sentimento de não cumprir com o que parecia desenhado. Talvez até por isso, quando o filme ganha forma e se escancara por completo, passamos a perceber o passo seguinte e todo o gran finale prometido por Besson e seu protagonista, não surta o mesmo efeito.

O longa se inicia, então, de forma bastante direta, não poupando elementos familiares para o estabelecimento desse psicopata sugerido. Uma noite chuvosa, um homem vestido de Marilyn Monroe (digo homem não só porque naquele momento pouco sabemos sobre a sexualidade do protagonista, mas também pois essa nunca vai ficar realmente clara) é parado em uma blitz policial e tenta esconder o seu rosto e mudar sua voz, enquanto demonstra estar perturbado, tentando esconder o desconforto, ao mesmo tempo que fuma um cigarro e exibe partes do corpo cheias de sangue. Claro que tal abertura já sugere um certo olhar para o passado, são informações demais que certamente serão reveladas à posteriori, típicas de uma abertura in media res (quando um filme começa no meio e não no início da ação/narrativa). Porém, o homem vestido de mulher, os cachorros como carga de um caminhão e a forma como Landry Jones interpreta essa figura demonstrando uma certa fuga da realidade, são códigos constantemente utilizados pelo cinema para reforçar a psicopatia (do visual e atitude de um Coringa, até a sexualidade que vem de Hitchcock e passa por outros grandes filmes do gênero, como “O Silêncio dos Inocentes”, a ideia de que o psicopata sempre tem questões envolvendo os animais e o desconhecimento de seus próprios desejos). Em seguida, vemos uma psiquiatra chegando para interrogá-lo e automaticamente tememos pela vida dela quando a porta se fecha e ela fica sozinha com aquela pessoa enigmática fumando em meio às sombras próxima de uma janela. A percepção de um filme de psicopata é rapidamente criada e Besson assim o quer. Não à toa, quando Douglas começa a contar sua história, o cineasta escolhe por continuar nutrindo nossa expectativa prévia, usando-se de um amarronzado para os flashbacks da infância, enquanto relata os abusos sofridos pelo garoto na mão do pai. Entretanto, aos poucos, o diretor vai desconstruindo essa nossa ânsia de adivinhar.

Percebemos que a psicóloga não corre perigo. Mais do que isso, ela é apenas uma ouvinte, como nós, enquanto Douglas mantém o controle narrativo para poder expor sua vida toda diante de seus espectadores. E é aí que não só percebemos que a ação escapista de Besson não estará presente, como também o longa começa a ganhar contornos fabulescos, ainda que nunca se anuncie completamente dessa forma. Como ele acompanha a carreira da mulher que ama, como se apresenta vestido de mulheres famosas em um bar, como controla e se relaciona com os cachorros se transformando em uma espécie de líder bondoso do crime local etc, adquire uma necessidade fantasiosa, mas nunca simplesmente restrito a essa imaginação do contar histórias mais infantis, tendo sempre em mente a ideia de passar uma moral ao final, bem típico das fábulas. Mais uma vez, então, uma relação dicotômica se estabelece. A sobriedade com que o cineasta narra essas ações, rejeitando até muitos movimentos de câmera ou exageros nas sequências de ação, conflitam com o fantástico do narrado, ao mesmo tempo em que essa fuga da realidade termina por retornar a um debate social, envolvendo luta de classes. É aqui o lugar em que “Dogman” começa a desmoronar parcialmente sua narrativa, quando o contar história se torna menor do que uma pausa total para discursos políticos apresentados de forma rasa e que não compreendem que a simples existência daquele protagonista já seria o suficiente para levantar tais questionamentos, enfraquecendo assim os diálogos filosóficos sobre o existir no mundo. Ainda assim, “Dogman” soa como um retorno de Besson, muito mais contido do que o habitual, mas não isento de personalidade.

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