|Crítica| 'Rebel Moon - Parte 1: A Menina do Fogo' - Dir. Zack Snyder
Crítica por Victor Russo.
'Rebel Moon - Parte 1: A Menina do Fogo' / Netflix
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Megalomania e fetichismo de Zack Snyder não deixam “Rebel Moon” com menos cara de um Star Wars genérico, mas revelam uma vontade do seu criador em fazer aquele mundo existir
Como é comum nas obras de Zack Snyder, “Rebel Moon - Parte Um: A Menina do Fogo” foi rodeado por notícias e jogadas de marketing muito antes de ganhar as telas na Netflix. Mais uma vez, o longa nasce com planos B e C. Primeiro, segue a lógica da empresa de manter os filmes em alta por mais tempo, transformando-os em uma espécie de série. Diferente do modelo de sequências e franquias tradicionais, em que as obras são pensadas para ter continuidade um ou dois anos depois, o longa de Snyder tem sua parte dois já em Abril, quatro meses depois da parte um, o que fica bem perceptível ao assistir à obra - que ela é cortada no meio e dividida em duas apenas para ter uma duração mais comercial. Entretanto, esse não é o único plano alternativo do longa, há também o marketing de sempre do cineasta, chamando os seus fãs para uma versão estendida e dizendo que a lançada primeiro não é a versão definitiva. É preciso esperar para assistir à visão do Snyder (alguém ainda cai nessa?). Todavia, para além dessas questões mercadológicas, “Rebel Moon” tem ainda um agravante especial prévio, antes mesmo da Netflix se envolver com o projeto. Trata-se de uma ideia que seria desenvolvida para o universo Star Wars, só que ficou perdida após Snyder ser demitido e o filme descartado em uma das últimas reformulações da Disney para o mundo da Lucas Film. Como não é bobo nem nada, Snyder encontrou no dinheiro quase infinito do serviço de streaming a chance de ouro de levar sua visão para frente, podendo assim, vender ainda mais um rótulo de genialidade original.
Tudo isso seria completamente irrelevante se não fosse perceptível em tela. “Rebel Moon” grita Star Wars, não só em referências, mas em toda a dinâmica e mitologia, Parece um Star Wars B, ou um episódio de série, como “Clone Wars” ou “Rebels”, em que o objetivo é apresentar um mundo novo dentro daquele já existente e criar um conflito localizado para criar personagens novos, mas sempre carregando os elementos de sempre, como o texto inicial (aqui em voice over) para situar os acontecimentos prévios do universo, o droide legal, o sabre de luz, a cantina, os caçadores de recompensa, a união dos camponeses liderados por um herói ou heroína contra o maligno Império, muitas vezes sendo esse protagonista um antigo integrante do mesmo Império, além dos personagens secundários feitos para parecerem descolados e por aí vai. No caso do longa da Netflix, há ainda a premissa de “Os Sete Samurais”, que não só foi amplamente aplicada em faroestes (sendo “Sete Homens e Um Destino” o caso mais claro) e até em animações (como “Vida de Inseto”), mas que em Star Wars mesmo (claro, a franquia tem Akira Kurosawa como uma de suas maiores referências) já teve bastante espaço (como um episódio de “Clone Wars” e outro em “The Mandalorian”).
Entretanto, em meio a essa sensação de um filme que se constrói em cima de uma mitologia já existente e não que nasce do zero, quase sempre carregando um peso de obra “menor” ou derivada, Snyder aplica o que há de mais oposto a essa ideia inicial: sua tradicional megalomania. Ao mesmo tempo, se usa dessa narrativa, de uma personagem deixando o seu mundo inicial (que aqui descobrimos logo de cara não ser a sua terra natal, lembrando até bem a dinâmica do livro “Ahsoka”, sobre a personagem de mesmo nome se escondendo do Império) para ir atrás de guerreiros para ajudá-la a defender os camponeses das muitos maiores e mais poderosas forças opressoras, para passear por diferentes mundos e apresentar esses personagens cool (o príncipe prisioneiro sarado sem camisa que consegue montar um animal por sua bondade, a espadachim misteriosa com visual exótico, o comandante traumatizado que busca redenção etc). No processo, Snyder tenta desvincular o seu filme do universo que o inspira ao exibir esses mundos e personagens, como se fossem ideias originais, o que não são, mas não muda o fato de que são interessantes o suficiente para formar esse grupo e fazer esse universo ser minimamente palpável (alguns desses mundos pouco vemos, só existem para apresentar o personagem da vez, o que deve ter mais tempo na versão estendida, mas isso pouco importa aqui).
Dessa forma, o que em algum sentido vai transformar “Rebel Moon” em algo com mais personalidade é o seu diretor em si, que sempre centraliza suas obras em si mesmo e em seu estilo marcado. Os slow motions vão se fazer presentes mais uma vez, quase sempre com o fetichismo habitual, ainda que permitam aqui uma noção interessante do espaço dramático nas cenas de ação, porém menos eficientes quando tentam reforçar a grandiosidade de personagens em momentos heróicos, como Tarak (Staz Nair) saltando para montar a criatura, ou quando se transformam, como é bem comum na sua filmografia, naquela automasturbação de planos vazios sem qualquer peso, o famoso “olha o que eu sei fazer”. Ainda assim, por mais estranho que possa parecer, é justamente esse fetichismo autoimportante que faz de “Rebel Moon” mais interessante do que parece a uma primeira vista. É como se, em meio a tudo que há de mais genérico, Snyder tivesse uma paixão tão grande por sua criação que fizesse ela transpirar vida, mesmo quando seu ego se destaca tanto em tela e nos faz revirar os olhos. É uma batalha constante para tentar transformar o lugar comum em algo grandioso, sendo ao final, um genérico com mais personalidade e capaz de despertar algum interesse para uma possível sequência. Talvez, mesmo com essa história e esse universo super batidos, “Rebel Moon” pudesse ser mais potente se os personagens tivessem mais tempo de desenvolvimento para encontrar uma conexão maior com o público que o filme parece tanto clamar. Mais uma vez, Snyder aplica o seu plano de contingência e deixa parte do público com a pulga atrás da orelha, sugerindo que esse aprofundamento virá na versão estendida, vai de você ainda ter saco ou não para cair nesse bait.